A MESTRIA E O SAGRADO
Quantas vezes ouvimos e, nós mesmos, proferimos a frase: “ – Isto é Sagrado para mim!”, com referência a assuntos das mais variadas naturezas, desde a afeição a um animal de estimação até temas mais complexos e transcendentais no terreno da devoção e da fé. Quando isto acontece, estamos simplesmente afirmando quão importante é para nós o objeto dessa declaração e fica claro que ninguém pode ou poderia estabelecer a natureza ou os limites desse Sagrado, a não ser nós mesmos. Desde os tempos mais remotos o Sagrado vem sendo associado ao que é importante e fundamental. Existe nos nossos dias um divórcio entre o Sagrado e o Profano causado pela visão dualista e maniqueísta da mente humana que não permite entender o que as antigas civilizações, como a egípcia, consideravam Sagrado.
O início de qualquer explicação deve, sempre que possível, partir da própria etimologia das palavras que, ao contrário do que acontece hoje, não eram jogadas ao vento, sem guardar relação direta com aquilo que pretendiam representar.
O termo Profano pode ser decomposto em pro-fano, onde o prefixo pro indica uma posição em frente, anterior – como em “prólogo”, e fano tem origem no latim fanum – local consagrado, templo, santuário. Assim, para chegar ao Sagrado, há que atravessar o Profano. O Sagrado se integra em duas funções indispensáveis o Profano que é a nossa ligação com o mundo tridimensional e material e o Sagrado, propriamente dito, que assume o caráter do transcendente e integra a parte e o todo numa única realidade dinâmica e aqui “integrar” deve ser entendido na sua acepção correta que não apenas combina e junta, mas principalmente cria um vínculo de dependência, interação e propósito.
O homem se converte em elemento mediador entre o Profano e o Sagrado e em parte ativa de um Todo vivo, exercendo a interação entre essas funções, participando no particular e no conjunto. Os egípcios, por exemplo, dependiam materialmente do Nilo para a sua prosperidade e o honravam nas suas festas e cerimônias dialogando com Hapi – Espírito benfeitor que habitava as suas águas. Esta ligação com o Sagrado fazia com que os egípcios temessem muito mais o exílio do que a própria morte, pois a morte é natural e inevitável, mas morrer fora do Egito, da Terra Sagrada, significava perder o acesso, a porta de entrada para o Egito celeste.
O Sagrado nasce da necessidade de incorporar os princípios cósmicos à vida na Terra. As sociedades tradicionais desenvolviam a capacidade intuitiva necessária para captar simultaneamente o visível e o invisível através da linguagem dos símbolos e não é sem razão que as escritas desses povos são até hoje consideradas escritas ou alfabetos Sagrados.
As maneiras de sacralizar a vida dependem da criação dos Espaços Sagrados, que não são locais físicos, mas acontecimentos que englobam e transcendem um local. Uma obra profana cria as bases da obra de arte propriamente dita, que se torna Sagrada quando entra em contato com outros planos do Universo. O Sagrado é uma dimensão que engloba os dois aspectos que a compõem – o Sagrado e o Profano que só são diferentes se não houver a percepção dessa unidade e as atenções forem dirigidas apenas para o lado material. Não há Sagrado sem conhecer e entender o Profano, pois é através deles que se abrem as portas para o ingresso na dimensão do Sagrado. Da mesma forma, não pode existir um Profanum se não for entendido que ele conduz ao Sagrado, pois neste caso ele deixa de ser a base do Sagrado e se transforma em mera matéria inanimada, sem significado e sem chance de vivificação.
Este talvez seja o principal motivo pelo qual a vida material não pode ser desvinculada de qualquer caminho evolutivo. Só é possível chegar à Espiritualidade através do trabalho. Não basta o trabalho mecânico que busca apenas a sobrevivência; é preciso sacralizar esse trabalho, isto é, reconhecê-lo como uma parte, por menor que seja, do grande mecanismo cósmico no qual tudo tem uma finalidade e todos têm um papel a desempenhar na manutenção do seu equilíbrio. Este sentimento transforma o pedreiro em “Construtor de Catedrais”, o professor em formador das novas gerações e um lixeiro em defensor do meio ambiente.
Fica difícil entender o sagrado quando ele é visualizado como uma coisa externa ao ser humano. O Sagrado não pode ser imposto a ninguém, pois assim não será Sagrado – o máximo que pode se conseguir é respeito. É preciso estar imerso nele e isso só é possível se ele for construído pelo próprio ser em torno de si, dando origem a um Espaço Sagrado que, mais do que um simples local, é “o lugar”, adimensional, inapreensível e abrangente de onde podem ser vislumbradas todas as dimensões, pois ele contém todas elas.
Os egípcios já percebiam a existências desses dois eixos duais: um sobre o plano da manifestação e outro unindo o Céu à Terra, dentro dos preceitos do segundo princípio hermético. O Sagrado se encontra na intercessão desses eixos, o que poderá ocorrer em diversos pontos de verticalidade – mais altos ou mais baixos – dependendo dos níveis de consciência envolvidos. Este ponto é o eterno agora – talvez a única maneira de proporcionar ao ser humano uma visão do que seria a eternidade.
Tudo o que foi aqui comentado até agora nos remete ao Arcano V do Tarô Egípcio - O Hierofante.
O termo deriva do grego “hierophantes”, significando o que mostra o Sagrado, o que faz aparecer o Sagrado. Durante muito tempo em vários Tarôs este Arcano era denominado “O Papa” ou “O Pontífice”, o que estabelece a ligação entre o Céu e a Terra.
No entanto, ninguém precisa ser um Sacerdote para se tornar um Pontífice ou um Hierofante. Basta sacralizar o seu trabalho através do prazer em realizá-lo, da sua valorização, do esforço em se aprimorar naquilo que faz e da busca de um propósito pois, afinal, não estamos aqui apenas para sobreviver... Algum rastro da nossa passagem precisa ser deixado. No autoconhecimento este é o Arcano da Mestria. Mestre não é necessariamente aquele que ensina, pois nem todo professor pode ser intitulado de Mestre. O Mestre “exala” conhecimento e autoridade e por isso é reconhecido como tal. Interessante lembrar a ligação íntima ente os Arcanos IV e V, o Imperador e o Hierofante. Os Reis e Imperadores são normalmente ungidos e coroados pelo Sumo Sacerdote, desde as mais remotas eras. A Lei V da Mestria é uma energia de Comunicação, requisito indispensável para todo Mestre. Não necessariamente a da palavra, claro que ela é desejável, mas ainda a do exemplo, da competência e do valor percebidos e reconhecidos. A Mestria se caracteriza pelo reconhecimento de um Poder original que se manifesta através de uma autoridade legítima que pode ter cunho legal, ou não. O Hierofante é o canal que viabiliza o ato de exercício de Poder pelo Imperador. Um verdadeiro Mestre estará sempre, em última análise, construindo um Espaço Sagrado no qual uma característica cósmica se manifesta na Terra.
Olhando por esta perspectiva justifica-se o temor muitas vezes manifestado por aqueles que deveriam estar exercendo as suas Mestrias, ao se sentirem inseguros em relação ao próprio conhecimento ou competência. Talvez a grandiosidade aparente da tarefa seja percebida pelo inconsciente, ainda não preparado para os desafios a serem enfrentados. Por causa disso, muitos caminhos são interrompidos ou não iniciados, negócios não são abertos, empreendimentos são abandonados e as oportunidades de exercer a Mestria em vários campos são perdidas.
Ninguém vai nos dizer se estamos prontos ou que a hora é certa. Se você espera um “sinal” para começar, esqueça! Se a sua Alma está pedindo, dê a ela o alimento necessário. Se é importante para você, então é Sagrado. Assuma como suas as tarefas que precisa empreender e vá em frente.