A Onipotência Divina
Hoje mesmo, durante um debate que se seguiu a uma apresentação, ouvi de uma pessoa a seguinte frase:
“– Deus pode tudo, só não pode é deixar de nos amar.”
A esta manifestação seguiu-se outra, na qual me foi indagado se eu via o momento da criação como único papel de Deus nas nossas vidas – conclusão (até bastante lúcida) do interlocutor, após ouvir o que foi apresentado, com a ênfase dada à necessidade de sermos, nós mesmos, os donos de nossas vidas.
Confesso que, no momento, fiquei na dúvida se aquela seria uma afirmativa ou uma súplica. Depois, considerando o desenrolar do debate, cheguei à conclusão de que era uma afirmativa, feita com convicção e, até mesmo, certa indignação, provavelmente por ter eu feito alguma consideração que agrediu a sua fé.
Imediatamente, e agradeci por isso, me veio à mente a narrativa dos dois monges que discutiam sobre a Onipotência Divina – um, em sua intransigente defesa e o outro com algumas dúvidas. Num determinado momento, o defensor da Onipotência, desafiou seu oponente a apresentar uma coisa que Deus não fosse capaz de realizar.
A resposta surgiu sem a menor hesitação:
“– Ele jamais poderá fazer um dois de paus ganhar do Ás.”
Este é o ponto primordial que os defensores da onipotência indiscriminada parecem não perceber – existe uma regra do jogo que tem de ser observada. Descumprir a regra é algo impensável num jogo sério(?). Mesmo que o inventor do jogo esteja presente, mudar as regras com o jogo em andamento é o mesmo que acabar com ele. Não é mais o mesmo jogo e nenhum dos jogadores deveria aceitar isso. No entanto, os defensores da onipotência absoluta parecem aceitar.
Se acrescentarmos o ingrediente contido na afirmativa de que” Deus só não pode é deixar de nos amar”, podemos atribuir a essas pessoas um grau de arrogância, por se acharem permanentes merecedoras desse amor, o que me faz lembrar, também, de uma visão jocosa de como o cão e o gato vêm o seu relacionamento com os humanos.
O cão olha o dono e pensa: “– como ele é bom comigo... como me trata bem e satisfaz as minhas vontades e necessidades... Ele deve ser um Deus!
Já, o gato olha para o dono e pensa: “– como ele é bom comigo... como me trata bem e satisfaz as minhas vontades e necessidades... Eu devo ser um Deus!
No geral, nós não somos deuses e, portanto, temos que nos submeter às regras e Leis como todo mundo, sem esperar privilégios, “milagres”, ou favores especiais que não venham através do cumprimento das regras do jogo. Para conseguir vitórias no jogo permanente da vida, é necessário desenvolver a nossa habilidade de explorar, em nosso benefício, as suas Leis e regras que, por mais que em alguns casos nos pareçam injustas, são iguais para todos.
Podemos ter ajuda, é claro. Há jogos que são mais bem jogados em equipe e quase todas elas precisam de uma comissão técnica experiente e de uma administração competente para assegurar o seu bom desempenho.
Nós que vivemos nesta dimensão temos que buscar nela o nosso sucesso, explorando os recursos e a ajuda à nossa disposição, sem nos acharmos merecedores de atenção especial, a não ser a decorrente de nossas próprias conquistas.