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Da Discordância   

                                                                                                           

     Por mais rico que seja um idioma, nem sempre conseguimos encontrar uma palavra que traduza exatamente os nossos pensamentos, especialmente quando se trata de expressar o que nos vai na alma.

      Há algum tempo atrás, durante um debate, pude, eu mesmo, constatar isso quando tive a “ousadia” de dizer que não concordava com uma ideia de Platão, o que provocou risos e brincadeiras de meus pares na audiência. Este tipo de reação pode ter várias origens: o mau uso de uma palavra, o entendimento equivocado desse termo, ou a ausência de uma expressão que melhor expressasse a ideia desejada e, é claro, acreditarem que discordar é ser contra.

       É provável que a maioria das pessoas interprete uma discordância como uma declaração de que se é contra alguma ideia. Não é assim que vejo e, por isso, a reação da platéia não me causou qualquer desconforto ou emoção negativa, pois jamais passou pela minha cabeça ser “contra” uma ideia de Platão.  Uma reação negativa nessa situação seria uma prova de incoerência com o que acredito e divulgo sempre que tenho oportunidade: que o conhecimento é cumulativo e não exclusivo e que, portanto, nenhum conhecimento ou experiência deve ser negada ou renegada, pois foi através dele que a humanidade e cada homem chegou aonde se encontra hoje.

      Tenho uma visão diferente da discordância, especialmente quando se trata de assuntos abstratos, onde uma verdade não pode ser constatada nem provada por fatos incontestáveis. Quando uma ideia não entra em sintonia imediata, eu, e aqui não falo por ninguém, não consigo dizer que concordo com ela apenas porque veio de uma fonte respeitável. A causa dessa não-ressonância pode vir de várias origens: nossos paradigmas, pré-conceitos e memórias subconscientes, ou ausência delas. Uma coisa, no entanto, é certa: a concordância viaja sempre num raio de Luz, que pode não surgir em determinado momento.

      A lâmpada de Hermes portada pelo Eremita é usada em dois momentos, sendo que o Tarô mostra apenas o segundo, quando ela já está iluminando o meio ambiente. A primeira utilização, a mais importante, é quando ela é utilizada nos momentos de isolamento e introspecção para iluminar as profundezas do Ser, jogando Luz sobre a sua sombra e recuperando as suas memórias adormecidas.

     Concordar no escuro é o primeiro passo para a Fascinação, para a falta de questionamento e de inquérito interior, para o afastamento ainda maior do verdadeiro Eu. Discordar, antes de ser um desafio ou um ato de soberba, pode ser um reconhecimento da própria incapacidade de alcançar determinada vibração energética.

     Qualquer concordância pressupõe o entendimento do que está sendo postulado. Concordar com um “medalhão” ou com um mestre / professor, apenas para ficar “bonito na foto” ou não correr o risco de ser ridicularizado é uma das piores manifestações da Lei XIX – a Lei do Coletivo, pois a preocupação com a opinião alheia predomina sobre o compartilhamento do conhecimento.

     Recentemente, estava eu acompanhando a troca de mensagens de um determinado grupo pela Internet, quando surgiu um comentário favorável sobre uma entrevista publicada. Depois de algumas manifestações concordantes, o “orientador” do grupo, para não chamar de Guru, postou uma nota desancando o entrevistado, apontando uma série de fatos concernentes às suas origens políticas e ideológicas que, no entanto, em nada afetavam o conteúdo da exposição.

      Se eu gostasse de papo furado, ou comprar brigas alheias e de jogar conversa fora, ou ainda de ver o circo pegar fogo, bastaria postar apenas duas palavras em resposta àquele comentário do orientador: “Ad Hominem”. Para os que não se lembram, a falácia “Ad Hominem” caracteriza, no estudo da Lógica, a tentativa de destruir uma ideia atacando o seu autor, coisa que apesar do nome erudito que leva, acontece todos os dias nas mais diversas rodas.

    Como decidi não fazer isso, acabei vendo várias opiniões serem reformuladas, inclusive do introdutor do assunto, que quase pediu desculpas pelo "erro imperdoável".

        Portanto, mesmo correndo os riscos inerentes, ou até que possa encontrar em termo mais preciso que dispense um discurso explicativo, vou continuar discordando.

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