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DIVIDIR PARA CONQUISTAR

Aqueles que leram o texto já publicado que fala da “Tríade Primordial Hoje”, devem estar lembrados da menção à inversão da ordem natural daquela Tríade que assistimos nos dias de hoje, fazendo com que o alvo dos Processos deixe de ser o meio ambiente coletivo e passe a ser o próprio sistema que os originou. Este fenômeno não acontece apenas nesta Tríade (1-2-3), mas se propaga para as Tríades mais densas como a (8-9-10) e para a (15-16-17) que ocupam posições equivalentes no Ciclo da Ordem e no Ciclo da Matéria (Passado e Presente) respectivamente, fases nas quais se constrói o poder e se  materializam os “projetos”. É sob este aspecto que vou encaminhar a minha abordagem, tentando fugir do lugar comum das discussões ideológicas e buscando identificar as energias responsáveis pelo fenômeno.

      Um projeto, uma forma, um plano ou uma regra, como tudo que pode estar contido e expresso pela Lei VIII, é transferido para a esfera de atuação da Lei IX e armazenado em nosso arquivo de padrões, que vão servir de referência para nortear as nossas ações que, se bem sucedidas, poderão dar ao seu executor o Poder para levar a cabo os seus objetivos. Normalmente esse Poder, manifestado através da Lei X, seria uma consequência natural de um trabalho bem desenvolvido e executado, mas nunca estaria livre do risco do insucesso. Uma inversão da Tríade visa, entre outros objetivos, eliminar esse risco, fazendo com que os padrões armazenados sejam percebidos como “conquistas inalienáveis e inatacáveis”, engendradas por aqueles que se arvoram em donos do Poder e se sentem no direito de estabelecer verdades. É um processo semelhante àquele em que são dadas sempre razões “muito boas” para uma atitude ou comportamento, mas nunca as “verdadeiras”, o que se constitui na essência do “Politicamente Correto”. Tentaremos descrever aqui como isso é feito e como as pessoas se submetem a esse processo.

      Vamos começar por uma digressão sobre as ideias de Tocqueville(1), pensador francês do início do século XIX, dono de impressionante capacidade de análise das sociedades, a ponto de ter feito em sua obra, já em sua época, inúmeras previsões que vieram a se confirmar como previstas. O foco do seu trabalho foi a Democracia, que ele via, não como um regime de governo, mas como um tipo de sociedade, um modo de vida. Os fundamentos da Democracia preconizados por Tocqueville são a Liberdade e a Igualdade, valores estes notadamente contraditórios, pois, quanto mais se prioriza a liberdade, mais se acentuam as diferenças entre os indivíduos e os seus grupos; ao enfatizar a liberdade, estamos estimulando a criatividade e a iniciativa, ficando óbvio que nunca existirá a completa igualdade, o que é garantido pelo próprio desempenho individual que cada um consegue nesse cenário – é o predomínio da meritocracia. Ao darmos ênfase à Igualdade, por outro lado, o que se consegue é um nivelamento que inibe a criatividade e estimula a mediocridade e a covardia, estando aqui situado o “Politicamente Correto”, que busca expandir uma massa controlável, o que fica muito mais fácil se prevalecer a ideia de valorização da quantidade e não da qualidade.

     Uma das perguntas a serem respondidas é “Quem estabelece o que é Politicamente Correto?”. Baseado em que fatores? Claramente, não pode ser um  dos integrantes do grupo que se quer influenciar e controlar, o que seria um contrassenso. Além disso, desses não pode ser admitida nem a coragem para falar, o que dirá ditar regras. As ideias básicas que orientam essa estratégia, apontadas na obra do autor citado, são a “Ditadura das Maiorias” e a tendência de a classe média (burguesia) se acomodar em situações que não ameacem o seu status e suas posses. Esta última é a parte mais daninha do individualismo da liberdade, quando não está nem aí para o coletivo, desde que sua paz e conforto não sejam perturbados. Aqui está um dos riscos conhecidos das Democracias, mas pouco enfatizado, que, no entanto, não basta para  tirá-la da posição  de “menos pior” dos regimes, como admitido pelo próprio autor citado,  discussão essa que não nos interessa no momento.

     Ouvimos falar a todo momento nos direitos das minorias, mas nunca se houve falar nos seus deveres, que são contrapartidas obrigatórias de quem tem direitos. Qualificar minorias e fazê-las se sentirem oprimidas e desprezadas é uma das táticas utilizadas dentro da estratégia de dividir para conquistar. A igualdade democrática tem a ver com direitos e oportunidades e numa sociedade realmente democrática cada um deveria se preocupar com o seu semelhante pelo  Ser Humano que ele é, sem situa-lo neste ou naquele grupo, mas isso não “empodera” ninguém, nem cria “currais” a serem explorados, digo currais porque eles estão sendo preparados para se juntarem ao “rebanho”.

      É claro que todo esse processo faz parte de uma estratégia geral na qual deter o Poder (Lei X) é um pressuposto indispensável que exige o estabelecimento de padrões generalistas, acomodados e desprovidos de iniciativa e, portanto, mais fáceis de serem conduzidos. O Poder, que deveria ser decorrente de um “sucesso de gestão” na criação das condições ideais para uma sociedade próspera, passa a ser exercido através de agentes colocados em posições-chave, ao longo de um planejamento paciente de longo prazo, capaz de plantar no coletivo uma visão distorcida de igualdade, obtida, pasme-se, pela divisão da sociedade, isto é, salientando as diferenças e estimulando as confrontações. As pessoas caem nessa armadilha, acreditando defender minorias discriminadas que, a rigor, nem deveriam ser mencionadas numa sociedade verdadeiramente democrática... Uma sociedade poderia, sem qualquer dificuldade, ser considerada democrática, mesmo sem dispor de um regime de governo chamado de democrático, se existisse nos seus cidadãos o repúdio às discriminações e aos preconceitos e se eles prezassem a igualdade de direitos e deveres de seus membros. É preciso nunca esquecer que os verdadeiros valores não podem estar sujeitos à uma decisão de serem usados, ou não, de acordo com as situações encaradas. Assim como o Ser, um valor simplesmente "é", ele nunca "está".

      Nunca é demais observar que a Revolução Francesa, um dos principais marcos da implantação do pensamento democrático, data de 1789, portanto  anterior ao nascimento de Tocqueville, que viria a se tornar um de seus maiores estudiosos. Note-se que dos três elementos contidos no lema da Revolução – Liberdade, Igualdade e Fraternidade – cunhado pelos seus ideólogos, apenas os dois primeiros foram utilizados pelo pensador francês para basear as suas teses sobre a Democracia. É possível que os ideólogos da Revolução Francesa tenham vislumbrado a possibilidade de acomodação e indiferença da burguesia, atrás apontada, e tivessem incluído a Fraternidade como um antídoto para aqueles efeitos, um elemento que pudesse ser capaz de garantir uma individualidade socialmente responsável. Ao contrário, o nosso autor, no papel de cientista político no estudo da Democracia, pode ter considerado utópico esse lema e preferido não confiar na natureza humana, deixando tudo por conta dos pesos e contrapesos do próprio sistema democrático, e escolheu considerar no seu estudo apenas os dois primeiros elementos.

     Por que estou falando tanto em Democracia se a minha proposta era de deixar de lado aspectos ideológicos? Minha justificativa é simples. A Democracia a qual me refiro é a da sociedade democrática e não a do governo democrático. Uma sociedade democrática desagua obrigatoriamente num governo democrático, ao passo que batizar um governo de “democrático” não garante nada a não ser um nome pomposo. As situações diferem fundamentalmente entre si pelo fato de que uma sociedade democrática não pode incluir “idiotas”, ao passo que um regime democrático de governo pode acomodar um sem número deles.  Mas o que são idiotas?

    Na antiga Grécia era entendido como idiota o indivíduo que não estava integrado na polis; aquele que não se interessava ou não participava dos assuntos públicos (muito valorizados, então) e só se ocupava de si próprio. Desta ideia vem a raiz da palavra idiota – o  termo “idio” – que significa próprio. Ou seja, o idiota é aquele que só enxerga a sua vidinha privada, que só olha para o seu umbigo, para seus interesses e que recusa o convívio político, achando que pode viver sem ele. Assim, aqueles que se acomodam, que não estão preocupados com o coletivo, desde que sua paz e conforto não sejam perturbados, estão enquadrados na ideia grega de idiota. Alguns até diriam que não faz mal, que não estão prejudicando ninguém! Não mesmo?

     O mundo moderno se distanciou de tal forma do ideal grego de Democracia que ensejou o surgimento de um novo ator no “cenário democrático” que eu chamaria de Polidiota – o Político Idiota – aquele que só pensa em tirar benefícios para si mesmo, que não tem qualquer preocupação com o bem comum, sendo capaz de qualquer iniciativa que o mantenha no poder, um reflexo numa escala mais ampla da massa que ele ajuda a aumentar, pretende influenciar, para poder dizer que representa. Os governos e os políticos não têm como ser melhores de que o povo que os escolhe.

     Os idiotas, aqueles que não se importam, não estabelecem regras, mas apenas se limitam a aceitar e se deixarem influenciar pelo que ouvem e, portanto, não participam ativamente da Tríade (8-9-10) e, por preguiça e por não quererem se aborrecer ou correr riscos de enfrentamentos, deixam que seus padrões venham de fora, satisfeitos com as “boas razões” apresentadas, sem se preocuparem em investigar a verdade por trás delas. Assim, quando, de alguma forma, conseguem chegar à Tríade (15-16-17), qualquer materialização com a qual se deparem vai dispor apenas, para avalia-las e controlar a sua qualidade (Lei XVI), dos padrões que foram gravados no seu “HD”, ou seja, nenhuma ideia ou forma própria, apenas repetições de chavões e ideias generalistas que ressaltam apenas um dos lados da situação, o mais fácil de ser percebido. Como resultado, os limites da sua percepção da realidade (Lei XVII) permanecem sempre estreitos e seus horizontes restritos, pois aumentar limites implica em questionar, investigar, familiarizar-se com a realidade que nos cerca, mas estas não são características dos “idiotas”, que preferem “ficar na deles” a se aborrecerem, ou sair de suas zonas de conforto. Quem tem horizontes limitados normalmente teme o que não consegue enxergar diretamente. O que vemos então decorre da manifestação do “lado obscuro” da Tríade, comandado pelo fanatismo da fascinação impresso pela energia do XVI que, pela sua incapacidade de questionar, sente-se confortável em fazer parte de uma massa que não exige qualquer esforço para acomodá-lo – basta aceitar passivamente a liderança que lhe é oferecida.

     É assim que surgem as turbas enfurecidas que amedrontam e fazem calar aqueles que não concordam com o seu comportamento, como no caso das torcidas organizadas, das manifestações públicas violentas, das gangs  de rua e de tantos outros exemplos. Acomodar-se, não se envolver, deixar para lá, são atitudes mais confortáveis e menos arriscadas. Não querer ver não significa que deixe de existir, ao contrário, apenas torna o terreno mais propício à expansão da “praga”, pela falta de resistência. É assim, também, que o politicamente correto tende a se alastrar, pela falta de resistência, pela acomodação da sociedade, pela impressão de que as boas razões podem substituir as verdadeiras, pela aceitação de que a quantidade vale mais do que a qualidade e principalmente pelo incentivo a um processo de vitimização que em nada contribui para  aumentar a autoestima individual ou grupal. Ao contrário, o arquétipo da vítima se instala com facilidade em pessoas com baixa autoestima. Não são os outros que nos vitimizam, somos nós mesmos que permitimos isso, ao não assumirmos as atitude corretas nos momentos adequados. Sempre que nos sentimos vitimizados a primeira coisa que tendemos a fazer é apontar o dedo para o culpado, em vez de verificarmos porque nós estamos permitindo que isso aconteça.

      Como disse Nelson Rodrigues, “Toda unanimidade é burra”, no que pode ser complementado pela famosa declaração de Rui Barbosa “ – Embora não concorde com nenhuma das palavras que estais dizendo, hei de lutar até a morte para que tenhais o direito de as dizer."  Esta é a verdadeira ética de uma sociedade democrática onde todos deveriam ter os mesmos direitos e deveres independentemente de pertencerem a este ou aquele grupo, mas pelo simples fato de serem cidadãos e seres humanos. A necessidade de Códigos e Leis reguladoras vem apenas mostrar como ainda estamos longe de atingir esse patamar. A “lei do politicamente correto” que vemos tomar corpo na sociedade decorre de todos esses fatores já apontados e da omissão de uma sociedade que caminha para ser dominada pelos “idiotas” que se deixam influenciar pelos “Polidiotas”.

     O que as pessoas parecem não perceber é que o processo de vitimização de um grupo, chamando atenção para as diferenças, longe de empoderá-los, está dizendo para a sociedade que “este é um grupo que não tem capacidade de se defender e precisa ser protegido, por isso, é melhor mantê-los sempre nesse curralzinho onde podemos ficar  de olho neles e alimentá-los com as migalhas que vão assegurar que eles não queiram fugir.” Isto não é, positivamente, a maneira de dar poder a eles e torna-los respeitados e sim um caminho para mantê-los segregados e agradecidos aos que lhes dão “alimento”. Estamos assistindo passivamente o enfraquecimento das Tríades de Decisão, através da inversão do seu sentido de atuação, causando a acomodação (8-9-10) e o "emburrecimento" (15-16-17) da sociedade.

Encerro aqui esta conversa com uma frase antológica de Ayn Rand no seu livro A Revolta de Atlas:

“A menor minoria na Terra é o indivíduo.

Aqueles que negam os direitos individuais não podem se dizer defensores das minorias.”

 

 

  1.  Alexis-Charles-Henri Clérel,  visconde de Tocqueville, dito Alexis de Tocqueville (29 de julho de 1805 — 16 de abril de 1859) foi um pensador políticohistoriador e escritor francês. Tornou-se célebre por suas análises da Revolução Francesa,  da democracia americana e da evolução das democracias ocidentais em geral. 

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