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ESTADOS E EVENTOS

 

     Quando alguém se propõe a falar a outra pessoa sobre a sua vida, em geral o que ouvimos é uma sucessão de eventos e situações com as quais ela se deparou ou vem se deparando. Se esta pessoa afirma que vive uma vida feliz ou infeliz, estará, em geral, se referindo à maneira como as coisas exteriores vêm se apresentando para ela, ou dirá que o seu interior, seu estado de ânimo e seus sentimentos têm sido agradáveis?

    Não raro, pessoas que apresentam uma situação exterior ou material estável, não enfrentando grandes problemas ou dificuldades, podem se sentir miseráveis e infelizes, ao contrário de outras que conseguem ultrapassar suas dificuldades com um sentimento de paz interior, sem se sentirem infelizes, por terem de suplantar obstáculos, muitas vezes difíceis.

     A vida não é feita apenas de “Eventos” que se sucedem; eles, certamente, assim como as outras pessoas com as quais interagimos, fazem parte dela, mas não podemos esquecer que ela é constituída, também de “Estados”. Os Eventos são exteriores e os Estados são interiores. Existe uma infinidade de estados interiores que poderiam ser enumerados, tais como, a preocupação habitual, o medo, a superstição, a depressão ou, por outro lado, os estados de felicidade, de prazer, de gratidão e de misericórdia ou de harmonia.

    É possível encontrar, em muitos casos, uma correspondência ou uma relação de causa e efeito entre eles, mas é preciso compreender, antes de tentar estabelecer essas ligações, que eventos e estados são coisas diferentes. Tomemos um acontecimento agradável, um sucesso conseguido, por exemplo. Poderíamos sempre afirmar que o nosso estado interior está em consonância ou correspondência com a natureza do acontecimento? Quantas vezes um evento, até mesmo esperado, que teria tudo para ser agradável, acaba encontrando um estado interior que não permite o seu pleno aproveitamento e desfrute? Quantas vezes achamos que falta algo que não sabemos exatamente o que? Por outro lado, todos, provavelmente, já experimentaram estados de prazer que proporcionam bons momentos, a partir de eventos totalmente inesperados.

     O que se quer dizer, em resumo, é que o aproveitamento de um evento feliz depende da existência de um estado apropriado. Enganam-se redondamente aqueles que acham que a ocorrência de um determinado número de eventos exteriores de um certo tipo é indispensável para classificar a sua vida como realizada ou não, como feliz ou infeliz. A capacidade de uma pessoa para enfrentar a vida depende do seu desenvolvimento emocional, ou seja, da qualidade de seus estados interiores. Uma pessoa que sonha realizar uma viagem ao exterior, por exemplo, e consegue realizar este sonho, materializa o evento; mas se o evento a encontrar atravessando estados de preocupação ou depressão, se ela for preconceituosa e rígida, poderá acabar tornando a sua viagem um verdadeiro martírio, para si e para os que a cercam e, neste caso, a responsabilidade disso é do seu estado interior.

    Uma pessoa pessimista e melancólica que vive dizendo que a vida não vale a pena, afirma isso pela falta de eventos que julgue apropriados, ou devido ao seu estado interior? Adiantaria alguma coisa tentar arrastá-la para festas e programas na expectativa de mudar o seu estado interior? A causa está dentro da própria pessoa e todos os dias assistimos pessoas dificultarem o aproveitamento de suas vidas e as de outras pessoas, graças aos seus desagradáveis estados interiores.

    Uma das maneiras de observar a si mesmo é saber distinguir os eventos exteriores e os estados interiores e identificar como nos situamos em relação a eles. Qualquer acontecimento externo deve ter a sua natureza identificada e ser encarado através de uma atitude adequada ao estado apropriado à situação.

     O começo deste trabalho é a identificação dos tipos de eventos que acontecem com maior frequência, classificando-os em categorias: “isto se chama irritar-se por nada”, “isto se chama chegar sempre atrasado”, “aquilo se chama ficar frequentemente indisposto”, etc. o objetivo final deste trabalho é verificar quais eventos foram, total ou parcialmente, provocados por você mesmo e quais os que foram “acidentais”. O que acaba sendo observado é que “reagimos” de forma semelhante a determinados tipos de eventos em decorrência do estado com que costumamos enfrentá-los e isso nos torna mecânicos e, consequentemente, previsíveis.

     Um bom exercício, para começar, é tentar não reagir, manter-se passivo em determinadas situações em que normalmente reagiríamos de alguma forma. Ao fazer isso estaremos, conscientemente, modificando um padrão de comportamento através de uma presença efetiva naquilo que fazemos. Não é fácil, a princípio, superar a tendência à reação mecânica; é necessário um grande esforço de concentração para que não seja deflagrado o mecanismo puramente associativo que caracteriza a reação mecânica. Mas, vale a pena se esforçar, porque os resultados são altamente compensadores.

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