INSPIRAÇÃO E TRANSPIRAÇÃO
Todos os que se dedicam a alguma atividade criativa, seja um escritor, um escultor, um blogueiro – cite mais uma – a lista é longa, já deve ter passado por períodos de “seca”, ou seja, produção zero. Incomoda e assusta não ter a menor ideia sobre o que falar ou desenvolver. Na maioria das vezes em que me proponho a escrever algo, já existe uma idéia básica que precisa apenas ser desenvolvida. Neste caso, não! É necessário garimpar uma ideia ao longo do texto. Acho melhor começar pela própria dificuldade, pela ausência de idéias ou de inspiração: por que esta dificuldade? Por que estamos achando, neste momento, que não existe nada dentro de nós que mereça ser colocado para fora?
O que é a inspiração? Diz o “Aurélio” tratar-se de qualquer estímulo ao pensamento ou à atividade criadora. Ela brota de dentro ou vem de fora? Devemos nós, forçar o nosso processo criativo, mesmo na ausência da Inspiração?
Não por acaso, me veio agora à mente, mais uma vez, um axioma muito interessante que ouvi uma vez, sem menção ao seu autor original, que afirma que todos aqueles que falam muito acabam se tornando mentirosos, porque esgotam rapidamente os seus estoques de verdades. De certa forma, é assim que nos sentimos nesses momentos: o nível do estoque das nossas verdades deve estar muito baixo e a resistência encontrada deve decorrer do medo de nos tornarmos mentirosos. Este é um comportamento coerente com a natureza da energia da Lei V – a Lei da Mestria – representada pelo Arcano do Hierofante. Comunicar-se é quase uma compulsão e muitos não resistem à sua pressão a e acabam extrapolando as suas verdades e se tornando “mentirosos” ou fofoqueiros, pela sua necessidade incontrolável de se “comunicar”. No entanto, não podemos permitir que esse sentimento assuma proporções tais que o transformem num inibidor permanente de criatividade, tornando a nossa mente um "deserto" improdutivo,
Houve um momento, há alguns anos, quando os membros da Instituição da qual faço parte eram convidados a apresentar textos mensais inéditos, dentro do que poderia ser chamado um processo de iniciação que, longe de ser ritualístico, era fundamentalmente intelectual e dedicado a permitir a manifestação do Espírito. O interessante do processo é que eram comuns momentos de perplexidade e, eu mesmo, em alguns casos, cheguei a pensar em escrever um texto desancando a obrigatoriedade da apresentação desses ensaios mensais, dando como justificativa a ansiedade gerada pelo processo, que seria um grande efeito inibidor da inspiração. Mas desisti, porque não era esse o meu caso. Acho até que pode ser um ótimo argumento para alguns que, realmente, sofrem esse efeito.
O que estaria acontecendo com as minhas verdades? Por que estaria o seu nível perigosamente baixo? Para tentar buscar uma resposta, vamos primeiro tentar responder a pergunta feita acima sobre a origem da inspiração. Se aceitarmos como válida a ideia de inspiração apresentada, não resta a menor dúvida de que o estímulo vem de fora, toca algum tipo de conteúdo, não importa a sua natureza, e propicia a criação de algo novo – uma ficha cai.
Existiriam, portando, duas possibilidades óbvias: a falta de estímulos exteriores ou o esgotamento do conteúdo interior – ambos preocupantes.
Vou descartar, neste momento, a segunda hipótese, por fugir ela completamente à minha percepção objetiva, incapaz de descortinar o inconsciente. Talvez, em ocasião mais oportuna, em níveis mais elevados de consciência e memória, ela possa voltar a ser discutida, mas, por enquanto, vamos deixa-la de lado.
A ausência de estímulos exteriores pode ser interpretada como desmotivação ou como alguma forma de bloqueio. É sempre difícil avaliar imparcialmente a primeira hipótese. Embora eu nunca tenha me considerado desmotivado, talvez não esteja sendo capaz de gerar o nível de atrito necessário à manifestação, ou seja, a energia despendida na transmutação pode estar sendo insuficiente, o que traduzido em miúdos significa que a transpiração está abaixo da necessária. Estar motivado tem tudo a ver com a disposição para fazer esforços.
Interessante como as ideias vão se encadeando... Ultimamente, e também naquela ocasião, talvez por soberba ou qualquer outro pecado favorito do diabo, venho “cobrando” de mim mesmo e, por que não dizer, daqueles que nos precedem e orientam no mundo espiritual, um acesso mais direto ao conhecimento, livre de opiniões, padrões e princípios formulados por terceiros. Um excesso de autoconfiança, na certeza de que, no momento exato, as idéias surgirão, como que por obrigação (Lei 5). Esta visão, ao diminuir o esforço que gera a transpiração, pode estar reservando um espaço desproporcional à Inspiração que, coitada, sozinha, não terá condições de gerar o campo energético suficiente para atrair a criatividade.
Seria também muito cômodo poder colocar o foco da dificuldade no bloqueio energético causado por uma eventual desconcentração oriunda de preocupações e intranquilidades pessoais, mas, no meu caso, seria desonesto. Meu problema parece ser mesmo de transpiração. Preciso “malhar” a mente com mais intensidade.
Até já consegui o assunto e o título deste ensaio...
Sou um adepto convicto do aprendizado “on the job”, pois ele leva à objetividade das pesquisas e evita a perda de tempo com tentativas erráticas que visam apenas “acumular” material, para depois simplesmente descarta-lo.
Repetindo a pergunta já feita: devemos nós, forçar o nosso processo criativo, mesmo na ausência da Inspiração?
A minha resposta é SIM. Como cada um deve fazê-lo é uma escolha totalmente individual. Ler mais, escrever mais, revisitar processos anteriores e reavalia-los..., cada um tem o seu caminho preferido. Mas o que me parece claro é que transpirar exige esforço e descartar uma possibilidade porque ela nos parece desgastante, é dar as costas à uma solução promissora. Fica fácil constatar, depois de algum tempo, que esse processo de garimpo mental acaba habilitando o seu praticante a produzir "a la carte" textos e comentários sobre assuntos com os quais possua alguma familiaridade. Seria como que um "mergulho consciente no inconsciente".