O Papel do Meio Ambiente do Ser Humano ( Parte II )
Não te dei, Ó Adão, nem rosto, nem um lugar que te seja próprio, nem qualquer dom particular, para que teu rosto, teu lugar e teus dons, os desejes, os conquistes e sejas tu mesmo a possuí-los...
... Não te fiz nem celeste nem terrestre, nem mortal nem imortal, para que tu, livremente, tal como um bom pintor ou um hábil escultor, dês acabamento à forma que te é própria”.
(Pico de la Mirandola)
Este artigo foi aberto por dois trechos de uma citação de um Filósofo italiano do século XV. O uso desse recurso não significa que ali esteja retratada uma verdade absoluta ou que os leitores devam achá-la maravilhosa, mas apenas que eu gosto dela e da ideia ali contida, porque o seu formato me ajudou a desenvolver um raciocínio.
Ao longo dos séculos várias linhas de pensamento foram sugeridas para orientar a humanidade no sentido de encontrar finalidade ou Propósito de Ser Humano, desde a glorificação de Deus pregada pela Igreja, passando pela tentativa da Filosofia com a ideia de que a finalidade do ser humano era conhecer e chegando à da auto-realização, de certa forma expressa na citação que abre este artigo, isto para citar apenas algumas.
Por que parece tão difícil estabelecer a finalidade da existência do Ser Humano? Vamos por partes.
Em primeiro lugar, o homem se enxerga muito mais perto do que ele considera o seu Deus do que ele realmente está. Com isso, ele tenta buscar o seu Propósito num plano afastado, ou seja, num sistema que está muito além do seu e, portanto, que não é o seu Meio Ambiente imediato. Assim, glorificar a Deus como pregam as religiões, não pode ser considerado um Propósito válido, principalmente quando juntamos a ela o princípio dogmático das “três omni” que sugere que não poderia haver qualquer necessidade que e humanidade pudesse suprir a esse Deus.
A ideia atribuída a Aristóteles de que ao ser humano caberia buscar o conhecimento com a finalidade de ser feliz e viver em harmonia também não se aplica aos critérios estabelecidos, porque está voltada inteiramente para o próprio indivíduo, sem preocupação com o Meio Ambiente imediato.
A ideia da autorealização, à primeira vista, pode parecer estar voltada também para dentro, caso não sejam analisados todos os seus aspectos.
Na citação que abre este trabalho, pode-se entender que as palavras de seu autor não são dirigidas a um Ser Humano específico, mas a um Adão símbolo de toda a humanidade. Elas poderiam indicar a tarefa principal de cada componente desta humanidade, que é a de construir-se a si mesmo, com o Propósito de ajudar a construir um rosto que defina a espécie, um rosto único e uniforme sem o qual a nenhuma espécie pode se caracterizar. A ausência de um rosto ético único que elimine conflitos entre as diversas comunidades alarga de tal forma a amplitude daquilo que é aceito dentro da espécie, que faz, até mesmo, duvidar da sua existência ou, pelo menos, da aceitação, como fazendo parte dela, de tudo aquilo que ela hoje acolhe.
O Ser Humano não está acostumado a se ver como uma espécie dentro do Planeta, semelhante a tantas outras existentes, as quais muitos consideram existir apenas para os servir. O Homem está acostumado a olhar para si e não para a espécie a que pertence, ou deveria pertencer, o que o coloca num estado de confusão ao tentar identificar o seu verdadeiro Meio Ambiente. Assim, o Propósito do Homem tem que ser buscado no plano da sua existência. O campo, portanto, do que seria a sua autorealização tem que ser buscado nesse Meio Ambiente.
Esta investigação exige que o conhecimento seja, de alguma forma, aplicado. Tudo tem uma finalidade, inclusive o conhecimento. Como o Propósito de qualquer Sistema deve ser buscado sempre fora dele, o conhecimento, em si, não pode ser considerado o Propósito do ser. Ele é um efeito desejado, dentro do Sistema, que irá ajudá-lo a alcançar o seu verdadeiro Propósito, que deve ser útil fora dele.
Que elementos poderão compor este Meio Ambiente do Ser Humano?
Os demais Seres da espécie
As demais Espécies com as quais há contato
O habitat do Ser
Os componentes do Meio Ambiente, acima definidos, afetam o Ser, mas estão fora do seu controle direto, qualificando-se assim para compor o Meio Ambiente.
O Meio Ambiente deve ser buscado entre Sistemas de mesma ordem. A tentativa de buscar o Propósito em Sistemas de ordem superior, demonstra um posicionamento incorreto dentro da realidade e, normalmente, leva ao desperdício de esforços e energias em projetos e objetivos megalômanos ou fantasiosos que tendem a não levar em conta uma verdade cristalina: em condições normais é impossível penetrar conscientemente numa dimensão superior sem antes ter o completo domínio da sua própria.
O Propósito então sugerido para o Ser Humano é o da consolidação da Espécie, o que poderá ser conseguido pela melhoria individual, cada um fazendo a parte que lhe cabe. Para engajar-se nesse trabalho é necessário que o indivíduo assuma, como seu, esse propósito, sem ficar esperando que alguém venha lhe atribuir essa tarefa ou lhe sejam enviados sinais especiais que o transformem numa pessoa especial, tocada por algum tipo de força ou divindade, e destinada a se tornar um guia ou uma inspiração para a humanidade. Não é tarefa fácil abdicar de algum tipo de recompensa imediata.
Como estaria cada indivíduo contribuindo para os demais seres da sua espécie? A melhoria individual contribui para a melhoria do todo pelo atingimento da massa crítica suficiente para ativar o princípio de ressonância mórfica (Rupert Sheldrake – experiência dos 100 macacos), que embora não tenha sido ainda definitivamente provado ou aceito de forma inquestionável, parece um caminho plausível. De forma genérica ele poderia ser enunciado pela ideia de que é mais fácil aprender o que já foi aprendido por outros. Uma analogia possível está no campo das Teorias psicológicas como as de Carl Gustav Jung e Stanislav Grof, que enfatizam as dimensões coletivas ou transpessoais da psique humana.
As demais espécies com as quais convivemos e o nosso habitat certamente seriam beneficiadas pela manifestação de níveis de consciência mais elevados do Ser Humano. A convívio com esses sistemas subiriam para níveis nunca vistos e o nosso relacionamento com eles passaria a ser efetivamente “civilizado”, coisa que atualmente está muito longe da verdade.
Com os níveis de conhecimento que temos hoje, qualquer cenário imaginado para idealizar o crescimento do Ser Humano e da Humanidade como um todo precisa ser, necessariamente, baseado em hipóteses. O segredo é escolher aquelas que tenham boas probabilidades de se confirmarem. Para isso é necessário dar ouvidos à intuição sem se deixar dominar apenas pelo conhecimento passado e por eventuais insucessos anteriores.
Assim, da forma acima descrita, o Propósito do Ser Humano estará sempre, de alguma forma, voltado para este Meio Ambiente, como ele foi definido: os demais seres da espécie, as demais espécies, o habitat. A sua tarefa será a de se autorealizar, deixando que o seu Verdadeiro Ser se manifeste com o Propósito de consolidar a espécie a que pertence através da construção de um rosto ético único que possa caracterizar a sua universalidade.
o verdadeiro sentido desse Propósito contempla, além da contribuição para o Meio Ambiente, a autovalorização do Ser Humano - agente desse Processo - fazendo com que ele perceba a importância da sua contribuição para o Sistema e possa receber do mundo exterior a retribuição energética promovida pelo reconhecimento da sua utilidade e necessária para repor as energias despendidas e manter a continuidade do Processo.