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MITO E FICÇÃO

 

     Há muitos anos atrás, ao elaborar um ensaio de Política Internacional, afirmei no meu trabalho que “no cenário internacional, a igualdade jurídica entre os países é um mito, pois nenhum deles se situa num plano tão abstrato de possa escapar das esferas de influência do mundo moderno”.  Recebi do meu professor de Política Internacional a seguinte observação: “Ficção, sim; mito, não”.

      Estava relendo, há alguns dias, alguns trabalhos antigos, coisa que faço periodicamente, para ver como me posiciono, agora, em relação às minhas opiniões de então. Faço isso porque nunca fui dado a escrever ou aceitar “em cruz” opiniões de terceiros, por mais conceituadas que possam ser e, portanto, gosto de ver a evolução de minhas posições.

     Não discuto a correção da observação, embora, por algumas definições contidas nos dicionários, a ideia de mito poderia se encaixar. O que mais me impressionou, nesta última vez em que li o trabalho e a observação ali contida, foi a preferência explícita por uma manifestação puramente mental e imaginária, para sustentar um princípio jurídico importante. Alguns poderiam atribuir tal postura a um simples jogo de palavras, alegando uma divergência meramente semântica, mas a impressão que me ficou foi bem mais profunda do que isso.

    Uma possibilidade seria a de que professor estivesse atribuindo ao mito o status de simples estória ou lenda sem qualquer fundo de verdade para sustentá-la. Esta alternativa me parece porém improvável tal o nível de cultura e conhecimento sempre demonstrado por ele.  

     A verdade é que a igualdade jurídica não existe, de fato. Os países têm pesos diferentes no cenário internacional e assim são vistos. No entanto, admitir isso é politicamente incorreto, sendo, portanto, necessária a existência de um Princípio que disfarce essa realidade. Uma Ficção. Uma artimanha do intelecto racional para fugir das influências perturbadoras do inconsciente que insiste em se manifestar em várias ocasiões. Mais surpreendente ainda é as pessoas tomarem isso como verdade a ponto de formular uma doutrina diplomática que sustenta  a aposição num trabalho que pretende ser sério de uma observação desse tipo.

     Se em algum momento, ao longo da história, já existiu essa igualdade jurídica eu não saberia afirmar com precisão. Caso tenha existido e tenha deixado marcas indeléveis na memória arcana da humanidade, então a ideia de mito poderia se enquadrar perfeitamente. Não seria necessário apelar para uma ficção para encobrir uma realidade e lhe emprestar uma credibilidade duvidosa.

    Por que esta reflexão? Ela aponta para o permanente conflito entre o intelecto atuante e a memória reprimida e inerte no subconsciente. O sentimento que decorre da emoção gerada por uma memória tocada não deveria precisar de princípios fictícios para se justificar ou manifestar e gerar resultados.

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