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O Fim da Eternidade

     O título deste comentário foi tirado de um conto de Isaac Asimov dos idos de 1950. Como devem saber, a grande maioria dos autores do gênero de Ficção Científica sempre foi de cientistas que se valem dessa via para divulgar suas ideias, principalmente aquelas que, por motivos mais ou menos óbvios, não conseguem provar com base no estado da arte da ciência e da tecnologia.

    Numa das primeiras postagens que publiquei, assim que esta Página foi criada, tive oportunidade de dizer, e agora reitero, que nunca pretendi ensinar nada a ninguém e que as ideias contidas nos meus textos se destinam a provocar o questionamento interior, para que cada um chegue às suas próprias conclusões. Aliás, a minha ideia de ensinar está mais para a criação de estímulos para o interesse no aprendizado de um assunto do que para enfiar um conteúdo goela abaixo de um público-alvo. Em suma, adicionar algumas minhocas aos minhocários que todos nós temos de administrar ao longo da vida.

     Muitas vezes simpatizamos com algumas ideias que nos soam como verdadeiras e as incorporamos ao que gostamos de chamar de nosso Conhecimento. Raramente, no entanto, nos preocupamos em verificar a coerência entre elas, por mais verdadeiras que possam nos parecer, a não ser quando somos atingidos, não se sabe vindos de onde, por questionamentos cruzados. O que pretendo levantar hoje é uma curiosidade minha que venho tentando resolver há algum tempo, porém ainda sem sucesso. Isso não significa que vá abandonar as ideias, mas que é preciso elaborá-las na tentativa de descobrir a chave que abre a passagem entre elas.

     Já me acostumei com a ideia de que o tempo é uma ilusão decorrente da nossa mente polarizada que não consegue vislumbrar a realidade a não ser em flashes sequenciais. A ideia de eternidade é justamente a de ausência do tempo e não de um continuum interminável. O que chamamos de tempo parece ser uma consequência natural da ordenação do Cosmos, uma seção delimitada do Caos onde, nele sim, poderia ser imaginada uma eternidade, se bem que de difícil compreensão para nossas mentes.

     Da mesma forma, outra ideia com a qual simpatizo é a da Reencarnação, com todas as suas implicações não religiosas, como um caminho de aperfeiçoamento da Alma para trazê-la para mais perto do Espírito e, portanto, da Imagem do Ser Humano – aproximar a semelhança da Imagem. Neste contexto é comum escutamos falar das “vidas passadas” percorridas pela nossa Alma.

   Note-se que em momento algum estou afirmando que as duas ideias expressam verdades absolutas, mas apenas a minha simpatia por elas, provavelmente provocada pela intuição ou por uma memória  inconsciente longínqua, o que pode perfeitamente ser a mesma coisa.

    Neste ponto a dúvida: “ – Como falar em vidas passadas se o tempo é uma ilusão? Se na ausência dele não pode haver passado ou futuro – apenas o presente?”

    Lembro-me com clareza de uma conversa com meu pai, na minha adolescência, quando afirmei que que tudo existia ao mesmo tempo, ao que ele me olhou meio desconfiado, mas não fez qualquer comentário, deixando o assunto morrer. Mas esta é uma ideia que carrego desde que comecei a me interessar por assuntos que por muitos são considerados “estranhos” ou pouco importantes para a rotina da vida a que estão acostumados.

   Dentro desta perspectiva, que ainda considero válida até prova em contrário, melhor seria falar de “outras vidas”, pensando na simultaneidade delas, como diferentes realidades, no entanto imperceptíveis pelas nossas mentes. Para tentar descobrir por que isso acontece, vou recorrer ao que provavelmente me impressionou ao ler “O Fim da Eternidade” e a algumas analogias, método que sempre me traz esclarecimentos e caminhos importantes de análise.

     A narrativa de Asimov contém dois tipos de humanos os “Temporais”, ou seja, aqueles que vivem no tempo e os “Eternos” que eram aqueles que viveriam fora do tempo, numa região denominada Eternidade e de onde controlavam os eventos na região temporal, promovendo, inclusive, mudanças de realidade quando necessário. Note-se que a Eternidade é descrita como uma região onde algumas coisas podem acontecer. Uma ideia interessante e que me atraiu foi a de que os Eternos, para manter o equilíbrio temporal, intermediavam as relações comerciais entre as diversas eras ou realidades, permitindo exportação e importação de certos itens que se tornaram escassos em determinadas épocas. É bom que se frise, no entanto, que a denominação de Eternos não implicava em que vivessem para sempre, mas que, por meio de recursos tecnológicos, alguns “temporais” eram transportados para uma região de onde podiam descortinar todas as demais submetidas ao tempo.

     O outro lado da moeda está na analogia que pode ser feita dessa situação de confinamento mental com a de confinamento físico, como a que existia no Planeta até alguns séculos atrás. Nesse período, os diversos núcleos populacionais espalhados nos vários Continentes, sem acesso à tecnologia ou a recursos que lhes permitissem empreender grandes navegações, se viam separados pelos oceanos e outros obstáculos naturais, impedindo-os de perceber a unidade planetária mais ampla e restringindo-os a uma realidade completamente paroquial, ao ponto de criar abismos e monstros terríveis que existiriam além daquilo que era possível perceber com os recursos limitados disponíveis.

     Com o advento da ciência e da tecnologia as coisas foram mudando, os horizontes se expandiram e as percepções de uma unidade planetária cada vez maior foi se ampliando e o Ser Humano passou a ter mais “consciência” da realidade em que estava inserido. Podemos dizer que, guardadas as devidas proporções, o binário “Mente/Consciência” está para a Realidade, assim como o binômio “Ciência/Tecnologia” está para a qualidade da vida humana, o que não quer dizer que esta seja sempre a meta buscada por este último binômio.

    O rompimento do isolamento dos Continentes só foi possível porque todos eles fazem parte de um único continuum e, que uma vez transpostos os oceanos, obstáculos e distâncias que separam esses núcleos, pode-se descortinar uma unidade planetária percebida, mas, sem dúvida, de ordem superior às anteriores, representadas, até então, pelos seus sítios isolados. Esta unidade pôde ser percebida apenas por que ela se manifesta no nível material, ao alcance, portanto, da nossa razão limitada, comandada por uma mente prisioneira dos sentidos.

    O grande oceano que separa os diversos níveis de realidades, impedindo que a sua unidade seja percebida é a “mente”, cujas limitações impedem a expansão da consciência e a consequente unificação das realidades através da percepção de que tudo faz parte de um mesmo Todo, uno e abrangente, que emerge de um Núcleo Central, imanifesto para nós, mas que abarca tudo o que existe. Todos os esforços de alcançar uma Realidade mais abrangente, mais completa, ou com qualquer outra qualificação superior que se queira lhe dar, são sempre levadas a efeito através da tentativa de um trânsito mais amplo além do mundo meramente físico e material e passam pelo domínio da mente e da aquisição de maiores níveis de consciência, requisitos indispensáveis para o estabelecimento da ponte entre a realidade material e a Realidade Absoluta.

     Assim como os “Eternos” de Asimov tinham acesso a várias realidades diferentes por estarem fora do tempo, se nos colocarmos fora do planeta dispondo de uma tecnologia que nos permita ver e participar de tudo que ocorre nos diversos pontos da Terra, estaríamos provavelmente nos aproximando de nos transformar os atuais “Eternos”, os “Big Brothers” dos dias de hoje.

    Parece que ser “Eterno” ou “Temporal” depende apenas do ponto em que se situar a visão. Se nos reportarmos à própria Bíblia, as viagens de Enoch nas carruagens celestes e a sua permanência na companhia de Deus por mais de 300 anos, poderia muito bem representar a escapada de um “temporal” para o mundo dos “eternos”.

     Assim, poderíamos imaginar que o tempo é percebido por nós, enquanto temporais, mas este mesmo tempo seria percebido como simultâneo por um eterno ou por um “temporal transportado” que pudesse ver os acontecimentos de uma perspectiva eterna. Provavelmente a solução dessa dicotomia seria tecnológica, mas ainda longe das nossas possibilidades atuais.

    No caso das reencarnações, os temporais as perceberiam como sucessivas, pois é assim que suas mentes estão programadas. Mas quem estaria ocupando as diversas encarnações simultâneas, uma vez que não temos o dom da omnipresença? Provavelmente outras manifestações da mesma essência da qual fazemos parte, com força suficiente para torná-la capaz de distribuir sua energia por mais de uma instância, o que poderia lançar luz sobre memórias e dons inexplicáveis, compartilhados que seriam de uma fonte única. Portanto, é provável que recebamos influências não só de “vidas passadas”, mas também de “vidas futuras” ou, melhor dizendo, de “outras vidas”. Seriam essas, pequenas amostras de omnipotência, omnipresença e omnisciência, excluído o seu sentido absoluto, e situando-as numa relatividade mais plausível?

     Acontece, que no final do conto de Asimov os “temporais” acabam se rebelando contra os “eternos”, por acharem que a sua tutela permanente para manter o equilíbrio cósmico tolhia a criatividade da humanidade e a impedia de enfrentar os desafios que a habilitariam a desenvolver níveis mais elevados de Conhecimento e Consciência. A verdade dessa motivação não pode ser contestada, pois sabemos que o que vem fácil não é valorizado e se perde com facilidade e que todo o progresso tem um preço que sempre precisa ser pago. Este desfecho caracteriza, assim, o fim da eternidade.

    Como já enfatizei, neste artigo não pretendo provar nada, apenas levantar questões para reflexão e agitar os minhocários daqueles que gostam de sair das limitações do convencional. Se não for o seu caso, peço que desconsidere esta invasão e não deixe que ela perturbe a sua paz.

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