POLARIDADE
A compreensão da individualidade, daquilo que faz com que nos sintamos diferenciados do resto e tenhamos consciência de nós mesmos é, até agora, um mistério no qual poucos se aventuram a mergulhar, pela total incapacidade de entendê-lo através dos limites da nossa mente.
À medida em que tentamos nos aprofundar no conhecimento do Universo e do nosso papel nele, somos defrontados com uma sequência de situações que parecem contraditórias, pelo menos à primeira vista. O desafio fica por conta de confirmarmos essa aparente contradição ou de identificarmos as nossas limitações para entender corretamente tais situações.
Um desses casos refere-se à busca da Unidade, da comunhão com o Todo, através do reforço da Individualidade. Sim, porque governar a própria vida, tomar decisões que possam moldar o futuro, não se deixar dominar pelo lugar comum e pela mente social é, de fato, um reforço da individualidade e quando nos individualizamos estamos nos diferenciando. Devemos encarar isso como uma contradição?
Todos sabemos que estamos sujeitos a Leis de várias naturezas que se impõem sobre nós e regulam a vida que nos é oferecida e aquela que buscamos construir. Toda Lei é, em última análise, um recurso para a manutenção de um determinado equilíbrio desejado, que estaria ameaçado na ausência dela.
Uma Lei é uma pálida substituta para o comportamento Ético. A Ética não precisa ser codificada e, provavelmente, isso não seria possível, tal a variedade de situações que teriam de ser previstas. Os Códigos de Ética, frequentemente encontrados na nossa sociedade, só são necessários onde ela não existe e, pela sua imperfeição, não conseguem cobrir todas as possibilidades e deixam “brechas” que são buscadas com sofreguidão.
Crescer em consciência é crescer na Ética e aqueles que conseguem atingir esses patamares passam a não se governar pelos “códigos” e costumes e, por isso, pagam o preço da rejeição pelo grupo que se rege por eles. Governar a própria vida significa conhecer as Leis e tirar delas o melhor proveito. Significa construir-se a si próprio, usar as Leis no Microcosmo e não permitir que o Macrocosmo se imponha sobre você sem o seu consentimento e sem estar preparado para ele. Significa diminuir as suas vulnerabilidades, pela ampliação da consciência e consequente crescimento do Ser. Quanto maior o nosso Ser mais próximo ele estará do Todo, pois menos coisas haverá fora dele. A contradição aparente advém da nossa mente polarizada que só pode perceber as coisas por meio de contrastes e comparações e tem dificuldades para se ver como parte de um todo único que abrange todas as coisas
Ao dizer EU, separamos tudo aquilo que percebemos como não-EU e, ao dar esse passo, tornamo-nos prisioneiros da Polaridade. O EU passa então a ficar preso no mundo das oposições que contém não apenas EU e TU, mas também dentro e fora, homem e mulher, bom e mau, certo ou errado, assim por diante.
A nossa consciência limitada divide e classifica tudo em pares de opostos que passamos a achar conflitantes quando os encaramos. Nossa inteligência não faz outra coisa senão repartir a realidade em pedaços cada vez menores (análise) e escolher entre eles. Assim, dizemos sim a um polo e, ao mesmo tempo, não ao outro dos elementos que compõem a Polaridade, pois existe quase um consenso achando que os opostos se excluem.
A unidade ou o Todo, como quisermos chamar, pertence a uma dimensão em que os opostos ainda estão indiferenciados. Ela engloba tudo; nada existe fora dela e tudo o que se disser sobre a unidade será em termos negativos, ou seja: sem tempo, sem espaço, sem modificação, sem limites...
Todas as afirmações positivas implicam numa qualificação e, portanto, numa comparação, originando-se, assim, da Polaridade. O Ego humano sempre deseja algo que está fora dele e entra em verdadeiro pânico quando constata que para tornar-se uno com tudo o que existe, precisa dissolver-se.
Podemos falar e discorrer sobre essa “unidade”, mas não conseguimos imaginá-la. A unidade é o oposto polar da própria Polaridade consistindo numa ideia que desafia os nossos pensamentos. Podemos, de certa forma, senti-la e experimentá-la por meio de certos exercícios e técnicas de meditação que nos ajudam a ter lampejos de consciência unitária. Porém ela sempre escapa a uma descrição verbal ou a uma análise intelectual, pois o nosso raciocínio usa sempre a Polaridade como pressuposto.
O conhecimento não seria possível sem a Polaridade, sem a divisão entre sujeito e objeto, entre conhecedor e conhecido. Na Unidade não há conhecimento, somente o Ser. Na unidade não existem anseios exteriores, não existe desejo, querer ou esforço. A frase frequentemente ouvida “ O Ser simplesmente é” sempre causa perplexidade e dúvida na maioria das pessoas. Trata-se do antigo paradoxo: só podemos encontrar a plenitude no Nada.
Temos uma consciência polarizada que cuida para que o mundo nos pareça polarizado. É importante ter em mente que não é o mundo que é polarizado, e sim a consciência com a qual estamos nele.
Para exemplificar o Princípio da Polaridade em ação visualizemos a respiração – uma vivência direta de Polaridade. Inspiração e expiração, ao se alternarem, criam um ritmo que nada mais é do que uma alternância entre dois polos. O ritmo é o padrão essencial de toda a vida, o que é confirmado pela física quando ela diz que todos os fenômenos podem ser reduzidos a vibrações. Se destruirmos o ritmo, destruiremos a vida. Quem se recusa a expirar não poderá mais inspirar – a inspiração depende da expiração – uma não pode existir sem a outra, seu oposto polar. Um polo depende do outro para existir e se eliminarmos um deles, o outro também desaparece. Da mesma forma, a eletricidade depende de dois polos para existir; se eliminarmos um deles ela deixa de se manifestar.
Uma outra vivência de Polaridade pode ser conseguida através da figura a seguir. As duas possibilidades de imagem que podem ser percebidas dependem de considerarmos a superfície branca ou a preta como segundo plano. Se a superfície preta for considerada como fundo, vemos um vaso no primeiro plano. Na opção contrária, escolhendo como fundo a superfície branca, teremos dois rostos de perfil em primeiro plano. Os dois elementos da imagem, vaso e rostos, estão simultaneamente contidos no quadro, mas obrigam o observador a tomar uma decisão no sentido de perceber um ou outro. Ou vemos o vaso ou vemos os rostos. Na melhor das hipóteses, podemos vê-los em sequência, mas a percepção simultânea é muito difícil.
Neste caso também, se um dos polos for retirado – o preto ou o branco – tanto faz – o quadro todo desaparece. Um polo depende do outro e precisa dele para existir.
Esta alta dependência de um polo em relação ao outro, a dependência entre dois opostos os torna complementares e nos mostra que é visível por traz de toda Polaridade uma Unidade que nós, humanos, não podemos reconhecer nem perceber. Assim, somos obrigados a dividir cada unidade de realidade em dois polos e a contemplá-los, um depois do outro.
Este fenômeno poderia, sem dificuldade, ser apontado como a própria origem do tempo, uma ilusão que deve a sua existência exclusivamente ao funcionamento polarizado da nossa consciência. As Polaridades são expulsas do útero da unidade como aspectos gêmeos de uma só e mesma unidade – aspectos que, no entanto, só podemos apreciar consecutivamente, um depois do outro. Depende, pois, do nosso ponto de vista, qual dos lados da medalha iremos ver. Numa observação superficial as Polaridades parecem oposições que se excluem mutuamente; um olhar minucioso constata que, juntas, as Polaridades formam uma Unidade e que sua existência depende uma da outra. A ciência fez esta descoberta incrível quando pesquisava a luz. Havia, em certo ponto das pesquisas, duas opiniões opostas sobre a natureza dos raios luminosos: a Teoria Ondulatória e a Teoria das Partículas e, ao que parecia, uma excluía a outra – quando a luz se compõe de ondas ela não contém partículas e vice-versa. Com o passar do tempo, ficou claro que esta visão mutuamente excludente estava errada. A luz tanto é composta por onda como por partículas. Podemos até reformular essa frase: a luz nem é onda nem é partícula, ela é uma Unidade. Como tal, não pode ser entendida pela consciência humana polarizada e assim ela se mostra para o observador apenas em relação ao modo como ele se aproxima dela – num caso como ondas; em outro, como partículas.
A Polaridade é como uma porta em que num dos lados está escrito Saída e no outro, Entrada. Continua sendo a mesma porta, mas dependendo do lado pelo qual nos aproximamos, vemos apenas um dos seus aspectos. Devido a esse impulso de dividir a unidade em seus aspectos, os quais somos obrigados a contemplar um depois do outro, surge o tempo, pois somente através da observação de uma consciência polarizada é que a unicidade pode ser transformada em uma coisa depois da outra.
Assim como a Unidade está por traz da Polaridade, a Eternidade está por traz do tempo. Contudo, temos de entender que a Eternidade tem o significado metafísico de ausência de tempo e não representa, como a teologia cristã erroneamente interpretou, um longo e interminável continuum de tempo.
A Sombra
Quando o ser humano diz “eu”, está, na realidade, se referindo a uma série de identificações diferentes:
“Sou homem, brasileiro, pai de família, professor. Sou ativo, dinâmico, tolerante, competente, esforçado; amo os animais, sou apreciador do chá, cozinheiro por vocação etc.”.
Essas identificações resultam de escolhas feitas em determinado momento para optar por uma de duas possibilidades para integrar um polo, identificando-se com ele, e excluir o outro.
Portanto a identificação “eu sou ativo e competente”, imediatamente exclui “eu sou apático e incompetente”. Na maioria dos casos a identificação com um dos polos vem acompanhada de um julgamento de valor: “não é bom ser apático e incompetente”.
Assim, toda identificação que se apoia numa escolha deixa excluído um dos polos, do lado de fora da porta. Tudo aquilo que nós não queremos ser, tudo o que não desejamos encontrar dentro de nós, tudo o que não queremos viver, e tudo que não queremos deixar participar de nossa identificação, forma a nossa sombra. A rejeição da metade de todas as possibilidades não as faz, de forma alguma, desaparecer. Elas apenas são excluídas da identificação pessoal ou da identificação efetuada pela mente consciente. O “não” faz desaparecer da nossa vista um dos polos, mas nem por isso nos livramos dele. A partir desse momento, o polo rejeitado passa a viver na sombra da nossa consciência. Tal como as crianças que acham que ficam invisíveis ao fechar os olhos ou a avestruz que esconde a cabeça, os homens acreditam que podem se livrar de uma metade da verdade pelo fato de não vê-la. Assim, permitimos que um polo (por exemplo, a “competência”) entre no raio luminoso da consciência, ao passo que o polo oposto (a “incompetência”) tem que ficar no escuro, para não ser visto. Do não-ver chega-se logo ao não-ter e começamos a acreditar no fato de que um polo pode existir independentemente do outro.
Com o termo “sombra” (cunhado por C.G.Jung) designamos a soma de todos os âmbitos ou aspectos rejeitados da realidade que o homem não quer ver em si mesmo ou nos outros e que, por isso mesmo, permanecem inconscientes.
Todas as manifestações provenientes da sombra são projetadas pelo homem no mal genérico que existe no mundo, porque ele tem medo de descobrir dentro de si mesmo a verdadeira fonte de seus males. O homem lança-se, assim, a uma tentativa de expurgar do seu mundo todos esses aspectos que julga negativos. Mas, como isso é impossível – pois tratamos de Polaridades Complementares – essa tentativa transforma-se numa ocupação permanente, que fará com que nos ocupemos de modo muito intenso com a parte rejeitada da realidade.
Passa, então, a vigorar uma rotina um tanto irônica da qual ninguém consegue escapar: o Ser Humano se ocupa mais com aquilo que ele quer evitar do que com o que deseja realizar. Ao fazê-lo, ele se aproxima do princípio rejeitado que acaba por vivê-lo! A rejeição de qualquer princípio praticamente impele a que se viva esse mesmo princípio. Os filhos acabam adotando o mesmo comportamento que mais odiavam na personalidade dos pais. Com o tempo, pacifistas podem se tornar militantes bélicos, moralistas passar a levar uma vida de dissipação e os fanáticos pela saúde adoecem.
Nossa sombra nos infunde medo. Não é de estranhar, pois ela representa tudo aquilo que queremos afastar, o mais possível, de nós; aquilo que desejamos eliminar do mundo “para que ele se torne bom e íntegro”. A realidade, no entanto, é bem o contrário: a sombra contém tudo aquilo que o mundo, o nosso mundo, mais precisa para sua salvação e cura. É ela que se revolta e irrita quando a sua presença e percebida; ela é uma das causas das nossas doenças e que nos torna, portanto, não saudáveis, porque ele é a única coisa que falta remover para chegar ao nosso desejado bem-estar.
Todos os heróis míticos precisavam lutar com monstros, dragões e demônios, inclusive com o próprio inferno, caso quisessem tornar-se sãos e curadores.
A sombra acaba tornando o homem desonesto consigo mesmo, porque ele sempre acredita naquilo com o que se identifica. Todas as ilusões do mundo podem ser consideradas relativamente inocentes se comparadas com aquelas que infligimos a nós mesmos durante toda a nossa vida. Sermos honestos acerca de nós mesmos é o maior desafio que temos de enfrentar. É muito mais fácil ser honesto com os outros, porque temos a ilusão de que a nossa desonestidade em relação a nós mesmos não prejudica ninguém e estaria livre de punições. É por isso que o autoconhecimento tem sido considerado a missão mais difícil e importante por todos os que buscam a verdade.
Bem e Mal
A Análise da dualidade em confronto com a Unidade, seu oposto polar, e a identificação da Sombra como decorrência direta desse conflito, nos conduz a uma nova etapa que muito pode contribuir para o esclarecimento das nossas indecisões sobre o que é certo ou errado, ocultas sob o confronto mais amplo entre o bem e o mal.
Tudo o que já sabemos sobre Polaridade nos leva à conclusão de que o bem e o mal são dois aspectos de uma mesma Unidade e que, portanto, dependem um do outro para existir. O bem vive do mal e o mal, do bem; e todo aquele que alimentar o bem estará, talvez sem consciência disso, alimentando o mal. A visão cultural que herdamos, impregnada da teologia cristã, oferece-nos uma visão de bem e de mal que os coloca como antagonistas num combate em que um tem que ser eliminado para que o outro possa prevalecer.
No próprio Antigo Testamento existe uma passagem que nos permite um entendimento da chamada Queda do Paraíso. Na Segunda Criação, consta que o primeiro ser humano – um andrógino – Adão, é colocado no Paraíso. Adão é um ser humano total, ele não é um homem, não está sujeito à Polaridade do sexo, não é dividido em pares de opostos. Ele é ainda uno com toda a criação, estado esse que é descrito como paradisíaco. Ele é, então, defrontado com todo o reino da natureza e se vê diante de duas árvores muito especiais: a Árvore de Vida e a Árvore do Conhecimento, do Bem e do Mal, que apesar da unidade de Adão, já antecipam o tema da Polaridade.
Toda a criação é perpassada pelo tema da divisão, pois criar só é possível através de um processo de separação e divisão. Os primeiros relatos sobre a criação nos falam de polarizações: luz e trevas, água e terra, Sol e Lua etc. Apenas o ser humano, aparentemente, foi criado Uno: um andrógino que continha em si “homem e mulher”. O seguimento da narrativa nos conta que, em determinado momento, Adão resolve colocar parte de si mesmo “do lado de fora” e deixá-la adquirir vida independente. Este é o início da perda de consciência – a narrativa conta este fato dizendo que Adão adormeceu. Deus tira de Adão, que era íntegro e sadio, uma de suas costelas, transformando-a em algo completamente independente.
A divisão, neste estágio, não atinge inteiramente a consciência dos dois seres humanos originais, visto que eles não reconhecem ainda suas diferenças, pois vivem na totalidade do Paraíso. No entanto, a divisão propicia a oportunidade para o aliciamento da parte, supostamente mais vulnerável, com a promessa de que ao comer do fruto da Árvore do Conhecimento, ela poderia passar a distinguir entre o bem e o mal, isto é, passaria a ter o poder de discriminação e discernimento.
A promessa teria sido cumprida. O ser humano passou a ver a Polaridade, a diferença entre bem e mal, homem e mulher. Esta foi a perda da totalidade, da consciência cósmica, e a chegada da Polaridade (poder de discriminação), o que significa o abandono do Paraíso, do Jardim da Unidade e o mergulho no mundo das formas materiais.
A estória da Queda do Paraíso gerou o chamado Pecado Original, a passagem da unidade para a Polaridade. As palavras pecado e afastamento são linguisticamente aparentadas. No grego, o verbo correspondente à palavra pecado significa “deixar de acertar o alvo”, “perder o ponto”, “pecar”. A consciência polarizada é incapaz de acertar o alvo, de encontrar a unidade – pecar é, então, sinônimo de polarizar-se. Assim sendo, poderíamos dizer que os seres humanos são pecadores por natureza, pois a Polaridade é o próprio pecado. Não é o comportamento das pessoas que gera o pecado – ele é inevitável – qualquer ação humana seria, por princípio, pecaminosa.
A filosofia sabe que, num mundo polarizado, não é possível concretizar apenas um dos polos, pois eles existem simultaneamente e se compensam mutuamente: alegria e tristeza, prazer e sofrimento. Neste sentido, poderíamos dizer que o conhecimento é “demoníaco”, pois ele pressupõe a Polaridade: sujeito e objeto, conhecedor e conhecido. Toda utilização funcional das possibilidades humanas acaba tendo, em última análise, alguma coisa de diabólico, pois sempre vincula a utilização da energia à Polaridade e impede a unificação.
É impossível almejar a unificação se nos negamos a aceitar uma parte da realidade. É o que torna tão difícil o caminho em busca da unidade. Um dos textos da doutrina Zen afirma:
“Luz e sombra são opostos. No entanto, uma depende da outra, como o passo da perna direita depende do passo da perna esquerda”.
O Livro Verdadeiro da Fonte Original contém um texto chamado “alertando-nos contra as boas obras” no qual Yang Dschu diz:
“Quem faz o bem, talvez não o faça visando a fama;
no entanto, esta o acompanhará.
A fama nada tem a ver com o lucro;
Mas o lucro seguirá seus passos.
O lucro nada tem a ver com o conflito;
Mas este surgirá, seja como for.
“Portanto, que o Grande Honorável os proteja de fazer o bem.”
Em Shinjinmei, o mais antigo e mais importante texto do Zen-Budismo, encontramos no seu versículo 22:
“Se restar em nós a mais leve ideia de certo e errado, então nosso espírito se perderá na confusão”.
O mal está no desespero que divide as Polaridades em opostos; no entanto ele é o caminho através do qual podemos atingir a percepção intuitiva. A percepção precisa de dois polos para funcionar, mas não devemos nos limitar ao seu antagonismo mútuo, e sim usar a tensão existente entre eles como energia e poder no caminho rumo à unidade. O arco usa a tensão de sua corda presa entre dois extremos para disparar a flecha em direção ao alvo – este é o símbolo da unificação.
Faz-se necessário que aprendamos a conhecer e admitir a Polaridade que existe em todas as coisas, sem ter medo de passar pelos conflitos inerentes à natureza humana. O desafio não é o de evitar os conflitos, mas o de vivenciá-los, questionando nosso sistema de valores fossilizados e reconhecer que o segredo do mal está em reconhecer que, em última análise, ele nem sequer existe.
Além de todas as Polaridades existe uma unidade à qual chamamos de Deus ou “Luz”. No começo, ele tinha a forma de uma unidade oniabrangente, nada havendo além dela. Junto com a Polaridade, surgiu a escuridão, apenas para tornar a luz visível. Assim, apesar de mero subproduto da Polaridade, as trevas são imprescindíveis para tornar a luz visível à consciência polarizada. Com isso, as trevas tornaram-se servas ou facilitadoras da Luz, “portadoras da Luz” como nos lembra o próprio nome Lúcifer. Se a Polaridade desaparecer, a escuridão desaparecerá também, pois ela não tem existência independente.
A luz existe como unidade, mas a escuridão não. A escuridão nada pode fazer contra a luz. Por outro lado, a luz transforma imediatamente as trevas em luz, razão pela qual as trevas têm de evitar a luz, se não quiserem que sua não-existência seja revelada. Imaginemos que temos um aposento repleto de luz e que do lado de fora impera a escuridão. Podemos abrir as portas e janelas e deixar a escuridão entrar, porque ela não transformará a luz em treva. Agora invertamos a situação: temos um aposento escuro que está cercado de luz no seu exterior. Se abrirmos portas e janelas a luz transmutará a escuridão e o aposento ficará iluminado.
Costumamos chamar de consciente os aspectos e características humanas que ficam na luz de sua consciência e que os homens podem ver. A área que não é iluminada pela luz da consciência, portanto escura, denomina-se inconsciente. Enquanto estiverem na sombra, alguns desses aspectos parecem maus e infundem medo. O simples fato de olhar para os conteúdos da sombra traz luz para as trevas e isto basta para tornar o inconsciente consciente.
Olhar para as coisas é a fórmula mágica que ilumina o caminho do autoconhecimento. O mero fato de observar modifica a qualidade daquilo que está sendo observado, pois este ato desperta a consciência, ou seja, traz luz à escuridão. Os homens vivem querendo mudar tudo e não compreendem que a única coisa que se exige deles é a capacidade de observação. O mais elevado objetivo dos homens – quer lhe demos o nome de sabedoria ou de iluminação – está na capacidade de poder observar tudo e de reconhecer que é bom do jeito que está. Enquanto algo perturbar o homem e ele achar que isso tem de ser mudado, o autoconhecimento ainda não foi atingido.
Só a observação pode nos tornar conscientes. A intenção de mudar alguma coisa pode causar o efeito contrário. Quando queremos adormecer depressa, esse é o modo mais seguro de termos uma noite insone. Se não nos preocuparmos o sono não tarda a aparecer. A ausência de intenção representa o ponto exato entre impedir e desejar impor. Trata-se da paz meridiana que possibilita o surgimento de algo novo.
A imparcialidade é a única postura que nos permite observar os fenômenos aparentes sem avaliá-los, sem manifestar um sim ou não, sem nos identificarmos com eles. A imparcialidade não deve ser confundida com indiferença, que é uma mescla de desinteresse e falta de envolvimento à qual se referia Jesus ao falar dos “mornos”. Estes nunca se envolvem nos conflitos e acreditam que se pode, através da repressão e da força, alcançar o mundo perfeito pelo qual o genuíno buscador tem que trabalhar com afinco para alcançar, reconhecendo a dimensão conflitante da sua vida e não temendo percorrê-la de forma consciente e deliberada, superando todas as Polaridades que teimam em bater à sua porta, criadas que são pelo ego.
A ferramenta essencial para unir opostos chama-se amor. O princípio básico do amor implica receptividade e abertura para deixar entrar tudo o que até então era exterior. O amor busca a unificação; ele quer fundir-se e não isolar-se. É uma aceitação que não tem limites nem imposições – é incondicional. Enquanto ele for seletivo, não será verdadeiramente amor, pois o amor não separa. O que separa é a escolha. O Sol irradia o seu calor para todos os seres humanos e não distribui os seus raios segundo o merecimento de cada um – só o ser humano se acha no direito de atirar pedras.
Polaridade e a Criação
Foi dito anteriormente que o Absoluto é o “núcleo e a base” da Realidade Suprema Imanifesta, e que esta é o “núcleo” do Universo manifesto. Esse “núcleo” pode ser entendido como um princípio oculto no interior do Universo, de cada Ser, de cada fenômeno e manifestação. Esse é um Princípio dual, duplo, gêmeo, que os Vedas chamam de Shiva-Shakti.
Em sendo o Absoluto uma Realidade Una, esse Princípio dual é um conjunto equilibrado, “neutro e vazio”; são opostos complementares e correspondentes. A relação entre esses opostos polares complementares e correspondentes adquire uma natureza que é caracterizada como uma sequência da Polaridade.
Esse relacionamento polar caracteriza-se por:
-
Os opostos polares são emanados da mesma Unidade e para Ela podem voltar, desde que determinadas condições imprescindíveis se cumpram;
-
Os opostos polares relacionam-se entre si e são correspondentes, criando um “elo” de manifestação que os torna complementares. São, ao mesmo tempo, independentes e interdependentes.
-
O estabelecimento dessa relação cria um Poder, uma vibração, um campo, uma Lei Universal etc. Os coeficientes de vibração entre os opostos polares criam forças de atração e de repulsão. Essa é, portanto, uma relação mutante, que acarretará uma transformação onde for estabelecida.
-
Os opostos polares sempre atuam em conjunto, um não existe sem o outro. Em todo fenômeno ou manifestação eles estão sempre presentes, embora um possa predominar ou ficar mais visível que o outro.
Esses opostos polares e suas relações mutantes fundamentam o Universo manifesto e tudo o que nele existe, incluída a relação do homem com o mundo, com a sociedade e com ele mesmo.
Esses opostos polares jamais podem fundir-se, porque tudo o que existe e que é vivo, deixaria de sê-lo e só restaria o Absoluto. Admitindo isso como verdade, devemos aprender a conhecer os diferentes níveis de relação que podem ser estabelecidos entre opostos polares. É o misterioso conhecimento dessa relação, seguido do desenvolvimento de uma habilidade de lidar com ela, que constituirá o fundamento e a base da vida humana.
Vimos que a relação entre opostos polares pode “criar” uma ou mais Leis Universais. Baseados no conhecimento de que os opostos polares estabelecem uma relação entre si, por desdobramento desse princípio, podemos afirmar que duas ou mais Leis também podem relacionar-se entre si. Essa relação será caracterizada como uma Polaridade, ou sequência da Polaridade.
Assim, os pares de opostos polares podem ser reconciliados. Por exemplo, calor e frio são idênticos em natureza, sendo as diferenças, meramente, uma questão de grau. Não existe uma demarcação absoluta de limites entre eles indicando onde termina o calor e começa o frio. O mesmo raciocínio é válido para outros casos como: alto e baixo/luz e obscuridade/grande e pequeno/ruído e silêncio/duro e flexível/ bem e mal/ amor e ódio.
O fato de terem a mesma natureza, uma mesma “classe”, ocuparem pontos extremos do mesmo eixo, permite a transmutação de um estado em outro através das linhas de polarização. Estados de classes ou naturezas diferentes não podem ser transmutados: não se pode transmutar calor em aspereza ou em altura; o medo não pode ser transmutado em amor, poderá sê-lo em coragem.
Dimensão
Existe uma ideia difundida de que o mundo é dividido em VISÍVEL e INVISÍVEL, sendo que o mundo visível alcança e influencia a mente e os sentidos e, portanto, pode ser observado; e o mundo invisível não é passível de qualquer observação direta. Esta divisão do mundo vem fundamentando o pensamento humano desde a mais remota Antiguidade.
Atualmente, a ciência positivista apoderou-se dessa concepção milenar metafísica, rebaixou-a na sua grandeza e afirma ser o mundo visível tudo aquilo que pode ser determinado por uma escala – o mundo mensurável; quanto ao mundo invisível, tornou-se o mundo das pequenas grandezas (átomos, léptons, quarks etc.) e, curiosamente, o mundo das grandes quantidades (as vibrações, as estrelas, os universos desconhecidos, o vácuo, etc.). Mas, ambos, para a ciência, podem ser mensuráveis ou medidos.
Essa ideia – a de que o Universo pode ser medido – levou à criação de um artifício de linguagem de mensuração, que se convencionou chamar de dimensão.
Isso fez com que os Planos do Universo (Físico, Astral, Mental, Búdico...) – dados pelos diferentes graus de coeficientes de vibração – adquirissem uma concepção básica linear, isto é, a 1a dimensão acarreta a 2a , que acarreta a 3a, e esta a 4a dimensão. A matemática criacionista metafísica dada pelas diferentes relações entre os opostos polares, é transposta para a geometria física, das formas, plana.
A matemática criacionista metafísica não pertence nem a física materialista, nem à geometria euclidiana. As relações matemáticas criacionistas entre os opostos polares não podem ser expressas física ou geometricamente. Ela não é uma quantidade geométrica, mas, uma qualidade quaternária de relações :
REALIDADE SUPREMA => CONSCIÊNCIA => MENTE => MATÉRIA
As dimensões qualitativas não podem ser expressas através da matemática da ciência materialista. O entendimento disso é fundamental. Por exemplo, podemos dizer que um sólido qualquer tem 10 metros de comprimento, 20 metros de largura e 25 metros de altura. Mas isso é um artifício de linguagem, porque a diferença real entre o comprimento, a largura e a altura, não pode ser expressa matematicamente, porque eles são equivalentes. Matematicamente, não há diferença entre um ponto, uma linha e um sólido. O artifício é que essas diferenças são expressas por meio de potências, e estas expressarão as dimensões.
Visualizemos, por exemplo, as três dimensões do espaço da forma habitual e vamos assumir que a quarta dimensão é uma cor. Os objetos físicos estarão sujeitos a modificação de posição e de cor, podendo percorrer todas as tonalidades de cor do espectro desde o vermelho ao violeta. Só é possível a interação física entre os corpos se eles estiverem próximos um do outro no espaço, assim como na cor. Corpos de cores diferentes, portanto, penetrariam um no outro sem interferência, sem interação física.
Caracteriza-se, assim, o aspecto qualitativo da dimensão e podemos estabelecer um vínculo dele com os diversos níveis de realidade até a realidade suprema.
A base de todas as dimensões é a mesma e a representação matemática através da potenciação é enganosa, pois caso isso fosse possível, o Universo deveria conter um número infinito de dimensões, já que é possível ter potências que expressam valores infinitos. Isto é claramente equivocado. Assim, quando nos referimos às dimensões, não estamos nos referindo a uma quantidade geométrica, mas a uma qualidade.
Dividimos a existência, então, em quatro dimensões 3ª. 4ª, 5ª e 6ª. Nesta divisão não consideramos a 1ª e 2ª dimensões, pois nada existe sem três forças.
Na dimensão zero, temos o ponto ( . )
Na 1ª dimensão temos a reta (_______).
Na 2ª dimensão temos o Plano.
Na 3ª dimensão temos o aqui e agora, tudo que é captado pelos cinco sentidos.
Na 4ª dimensão temos a visão de tempo, onde tudo tem começo, meio e fim – a dimensão dos processos.
Na 5ª dimensão temos a força que alimenta tudo que existe no mundo, é a dimensão do nosso inconsciente, da nossa energia.
Na 6ª dimensão temos a mente criadora, a fonte de energia matriz.
Consciência
Capacidade de percepção da realidade objetiva. É a inteligência aplicada. Propriedade do criador inerente ao ser humano. É uma qualidade conquistada pela harmônica relação que o Ser estabelece com o Universo.
Podemos assumir a existência de quatro níveis de consciência: instintiva, de processo, superior e de iluminação. Cada um deles refere-se aos diferentes graus de qualidade de consciência conquistada.
1º - Nível de consciência instintiva ou de 3ª dimensão – Os cinco sentidos, já um pouco perdido na civilização atual. O homem de hoje já praticamente perdeu os seus instintos, substituindo-os pela tecnologia e pelos confortos da sociedade moderna. A plena utilização do corpo, sua manifestação primordial nesta dimensão é algo que quase já não acontece.
2º - Nível de consciência de processo ou de 4ª dimensão – Toma-se consciência do tempo. Passam a existir o envolvimentos em processos complexos nos quais o pensamento subjetivo passa a desempenhar importante papel, na maior parte dos casos prejudicando a percepção do nível de realidade em que se encontra.
3º - Nível de consciência superior ou de 5ª dimensão – Toma-se consciência de si como indivíduo. Neste nível a “recuperação” da memória passa a desempenhar papel preponderante, permitindo a penetração em níveis mais profundos da realidade.
4º - Nível de consciência de iluminação ou de 6ª dimensão – O poder da criação. Neste nível atinge-se o ponto no qual teremos expressão individual e estaremos aptos a criar uma forma material (Princípio da Materialidade); conhecimento das Leis Universais a ponto de assegurar a inserção da criação dentro do Universo, dando a ela uma organização estrutural que permita a sua sobrevivência dentro de uma espécie (Princípio da Lei); e dominaremos o Princípio da Permissão.
Para verificar, conquistar e implantar cada nível de consciência, temos que levar quatro fatores em consideração em cada nível:
1º - Duração – por quanto tempo
2º - Frequência – quantas vezes
3º - Amplitude - do que se está consciente
4º - Profundidade – o quanto se está consciente
Sabedoria
É a inteligência aplicada e direcionada. Os verdadeiros Sábios vivem segundo o seu conhecimento, não apenas teorizam sobre ele. Por isso, costumam ser pessoas polêmicas e controvertidas na visão daqueles que não conseguem se inserir no seu nível de realidade.
Relação entre realidades e dimensões
Cabe esclarecer que as relações são sempre estabelecidas pela essência comum, pelo núcleo de toda manifestação, ou seja, aquela qualidade que sustenta e perpassa todas as demais.
Padrões universais de convivência entre as dimensões e realidades
Para entendermos melhor as relações entre as dimensões e as realidades, devemos observar a existência de três padrões universais de interligação e convivência que são:
Padrão de Correspondência
As realidades não são nem iguais nem semelhantes, pois nenhuma delas tem a aparência comum. Porém existe a correspondência, ou seja, o modelo das dimensões é universal e se aplica a qualquer realidade. Este padrão fundamenta-se no Segundo Princípio Hermético e estabelece uma correspondência entre as leis e os fenômenos dos diversos planos da existência e da vida. Constitui-se num dos mais importantes instrumentos mentais, pois permite ao homem partir do conhecido para o desconhecido, permitindo ir além dos obstáculos que encobrem este último, rasgando, aos poucos, o véu de Isis e permitindo o vislumbre progressivo da face da deusa.
Padrão de Causa e Efeito
Existe uma hierarquia entre as realidades: a dimensão superior domina a inferior.
As causas sempre se encontram nas dimensões superiores, raramente nas mesmas, nunca nas inferiores. Portanto são, na sua grande maioria, invisíveis. Esta regra fundamenta-se no Sexto Princípio Hermético, sendo de grande importância para quem deseja ser dono da sua própria vida. Não existe o acaso. Não há espaço dentro do universo para coisas que escapem à Lei, pois algo que fosse independente do movimento ordenado do universo seria superior a ele. O que se chama de acaso é, simplesmente, o nome dado a uma Lei não reconhecida. A maioria das pessoas é escrava das circunstâncias, da hereditariedade, do seu meio ambiente; guiadas pelas opiniões, costumes e ideias do mundo exterior e não exercem sobre suas vidas nada que seja digno de chamar-se domínio. Essas pessoas, por não se preocuparem em conhecer as “regras do jogo” (as Leis), acabam sendo usadas e movidas como peões de um grande jogo e atribuem ao acaso os acontecimentos que decorre do simples fato de não saberem elas mesmas movimentar as pedras. Assim, para conhecer a verdadeira causa de um fenômeno é necessário um salto evolutivo, para alcançar a dimensão superior àquela em que nos encontramos. Um salto qualitativo.
Padrão de Sincronicidade
Existe a sincronicidade de ação e de compensação no mesmo nível dimensional.
Quando a lei se manifesta numa dimensão, haverá a manifestação dela numa idêntica dimensão em outra realidade. Aqui se traduz uma “cumplicidade” entre as realidades, explicando vários “contágios” que aparecem. É uma consequência da característica vibracional de tudo o que existe, permitindo que apareça uma sintonia. Este fenômeno se manifesta nos padrões de ideias, de comportamento, nas doenças e até mesmo num simples bocejo que se propaga num grupo de pessoas. Podemos associar eventos dessa natureza às frequências harmônicas que causam ressonâncias.

