Presença
O Ser Humano tem a ilusão de que pode escolher livremente o seu caminho e que ninguém, ou nada, será capaz de fazê-lo melhor do que ele. Esta meia verdade faz com que ele deixe passar desapercebidas as inúmeras oportunidades e indicações que a própria vida lhe oferece e que, na sua ótica, parecem não estar de acordo com as escolhas previamente feitas.
O que a vida nos apresenta de novo raramente corresponde à expectativa racional dos planos que insistimos em traçar. Segundo Jung, “deixar com que as coisas aconteçam é uma arte que a grande maioria desconhece, pois todos parecem estar sempre querendo ajudar, corrigindo ou negando, sem permitir que os processos se cumpram naturalmente”.
O homem ocidental, por exemplo, se caracteriza por uma acentuada intelectualidade, fortemente influenciada pelo pensamento científico da virada do século passado, a partir de quando o Espírito passou a ser associado apenas ao intelecto, apartando-se do seu significado mais elevado e completo que abarca também os aspectos afetivos, mais sutis e sublimes.
A tendência ocidental é a de querer sempre entender o que está fazendo, dentro do mais puro processo racional, esquecendo-se de que, embora desejável, e isso vale para mim, nem sempre é possível, por não carregar ele a bagagem cultural, a memória genética e uma percepção da realidade que o habilitariam a esse entendimento.
O não encontrar respostas racionais para os seus questionamentos, pode levar a dúvidas sobre a validade do caminho até então percorrido e ao início de uma busca por algo diferente e que parece dar melhores resultados com outras pessoas. Um exemplo comum é buscar refúgio na sabedoria oriental, com as suas práticas e tradições milenares que, por não terem lugar nas mentes ocidentais, acabam por se transformar em práticas afetadas e artificiais quando realizadas por quem não carrega em si toda a genética espiritual do processo. O provérbio chinês “se o homem errado usar o meio correto, o meio correto atuará de modo errado” deixa claro que o meio correto não é independente do homem que o utiliza. Tudo depende do homem e muito pouco do método, que é apenas um caminho que permitirá a eclosão do Ser verdadeiro.
Não será autoconhecimento o que não vier das próprias entranhas do Ser. Não haverá respostas satisfatórias que não venham de dentro do Ser. Não poderá perdurar, algo que não pertença a esse Ser e esteja em harmonia com ele.
O que podemos chamar de autoconhecimento é, pois, composto de duas etapas fundamentais: perceber e reconhecer nossas potencialidades e limitações; e saber trabalhá-las no contexto em que estamos inseridos, ou seja, conhecer as regras do jogo. Para participar de um jogo temos que estar presentes nele sob todos os aspectos: Somos nós que temos que jogá-lo; temos que estar presentes por inteiro, não se joga no passado nem no futuro, mas sim aqui e agora.
Existem dois tipos de pessoas, as que são protagonistas e as que são meros figurantes em suas próprias vidas. Os protagonistas são os que procuram ser os donos de suas vidas, os outros, contentam-se em ficar na janela e vê-la passar. Qual a grande dificuldade? A grande maioria das pessoas não está presente em todos os momentos de suas vidas. Apenas para citar um exemplo simples, basta lembrar das ocasiões em que, ao volante de um carro, ficamos surpreendidos ao nos deparar num determinado ponto do trajeto, sem a menor lembrança dos momentos imediatamente anteriores, pois estávamos longe dali durante aquela parte do percurso.
É interessante ressaltar que os registros de memória que se tornam indeléveis em nossas vidas são os daqueles momentos vividos intensamente e, portanto, nos quais estávamos completamente presentes, em Corpo, Alma e Espírito.
Estar presente em todos os momentos da vida não é uma tarefa fácil. Em primeiro lugar, o presente está muito perto de nós e, assim, passa com muita rapidez, exigindo concentração e esforço para poder acompanhá-lo. É muito mais fácil deixar a mente vagar entre as lembranças do passado e os devaneios do futuro. Poucas pessoas conseguem perceber que apenas o presente existe. O passado já se foi e não podemos retornar a ele; o futuro ainda não existe e vai depender das ações que realizarmos no presente. E se estamos ausentes, não temos uma vontade atuante que nos permita ações concretas de direcionamento dos acontecimentos.
O que se vê, então, são reações mecânicas e repetitivas, em lugar de ações objetivas. Gurdjieff dizia a seus discípulos, que o homem, por estar num permanente estado de sono, não pode fazer nada, em termos de realizações. Assim, o homem não age, ele reage aos acontecimentos e toda reação é estagnante e não criadora. Tentar estar presente em todos os momentos da vida exige a prática da atenção dividida, ou seja, não basta olhar a situação que está sendo vivida – é necessário concentrar na nossa atuação dentro da situação.
O poeta William Blake dizia que não enxergava com os olhos e sim através deles. Esta afirmação contém a própria essência da atenção dividida, ou seja, tudo se passa como se saíssemos do corpo para observar, de fora, a cena, incluindo a nossa participação nela, vendo, não só, a cena através dos olhos, mas também o nosso comportamento nela.
A isso se chama consciência – a capacidade de perceber a Realidade verdadeira e agir segundo ela. Não aquela que construímos em nossa mente, de forma inteiramente subjetiva e que, na maioria das vezes, não tem qualquer relação com a realidade da vida.
Não estar presente, submete a pessoa a riscos de eventos que se costuma atribuir ao imponderável. A rigor, não existe o acaso. Podemos não compreender por que determinadas coisas acontecem, porque não conhecemos a sequência de eventos ou as Leis que deram origem a elas. Não conseguimos, assim, perceber a relação de causa e efeito numa determinada linha de eventos que pode cruzar a nossa própria linha de eventos.
Uma das grandes causas de acidentes é, justamente, a ausência mental das pessoas da cena onde eles se desenrolam. A auto-observação e a presença funcionam como um radar que permite detectar situações potencialmente perigosas e, consequentemente, evitá-las. Além disso, não estar atento impede a percepção e o aproveitamento das oportunidades que a vida nos oferece, principalmente quando elas não se enquadram no “planejamento” prévio que fizemos para nossas vidas.
Quantas vezes já nos vimos terminar numa situação ou lugar totalmente inesperados e nem por isso nos acharmos desafortunados? Muita coisa boa pode acontecer em nossas vidas quando nos deixamos levar conscientemente pelas oportunidades oferecidas. Embora ainda não tenha sido provado, alguns dizem que o Universo conspira a nosso favor. Será? Outros dizem que Deus ajuda quem cedo madruga”. Talvez uma coisa dependa da outra.