PROCESSOS NO ENEAGRAMA
INTRODUÇÃO
A Análise de um Eneagrama não se restringe ao posicionamento das Leis Universais na sua figura. Além disso, é preciso verificar como asses Leis afetam os Processos envolvidos, saber que Processos são esses e como estamos situados em relação e eles. A abordagem do autoconhecimento através do Eneagrama tem como finalidade, principalmente, fazer fluir esses Processos que compõem nossas vidas, evitando estagnações e interrupções. Um Eneagrama precisa estar em permanente movimento para nos manter em equilíbrio. Esta etapa do estudo visa proporcionar essa possibilidade e tentará fazê-lo em várias fases que serão identificadas à medida que forem apresentadas.
OS PROCESSOS NO ENEAGRAMA
O Eneagrama é composto por três figuras básicas: o Círculo, o Triângulo e a Figura Periódica, representando respectivamente o Cosmos considerado, os pontos de contato ou aberturar para o mundo exterior ao Cosmos e a Inteligência Interna do Eneagrama que busca assegurar que os objetivos desejados sejam alcançados, a despeito das interferências encontradas.
Por tudo que sabemos a respeito do Eneagrama, podemos concluir que existe uma energia criadora ativa, outra resistente passiva e uma terceira neutralizadora ou equalizadora. Essas três energias presentes nos vértices do triângulo alimentam os três processos da estrutura cósmica do Eneagrama: o Processo Criativo que dá origem ao movimento, o Processo de Materialização que dá forma à criação e o Processo de Motivação que deseja e impulsiona na direção desejada. No ser Humano eles correspondem na mesma ordem ao Processo Espiritual (Espírito/Intelecto/Criatividade/Mente), Processo Material ou Motor (Corpo, Ação) e Processo Motivacional (Alma, Emoção, vocação).
A imagem do Arcano 1 do Tarô – O Mago – nos oferece uma visão clara de como os processos se desenrolam. As energias captadas das dimensões mais sutis, que costumamos chamar de dimensões superiores devido a uma cultura religiosa de Céu e Terra, devem ser devidamente trabalhadas e transmutadas para poderem se manifestar no mundo material através de uma dinâmica mediadora que faz uso dos elementos já existentes e disponíveis para manipulação. É o que nos mostra a figura do Mago com o seu bastão mágico sintonizado com os planos superiores (Plano espiritual criador) e a sua mão direita apontada para baixo em direção ao cubo que representa a forma no mundo material, tudo passando pelo homem que vai permitir, através de sua motivação, que o processo seja desenvolvido.
A figura nos mostra ainda que o Mago nela representado não está, na realidade criando nada de novo, mas apenas novas formas delineadas com a matéria prima já criada e existente representada pelos elementos dispostos sobre a mesa. A qualidade do processo e do seu produto irão depender da capacidade daquele indivíduo de conseguir traduzir de forma clara e inequívoca o princípio criativo captado das esferas superiores, que vai depender no nível e da qualidade da conexão com aqueles Planos. Aqui entra o papel do KÁ localizado um nível, ou uma dimensão, abaixo do Plano dos “Deuses Criadores”. Assim, se eles estivessem, digamos, numa 6ª dimensão, o Eu Superior estaria na 5ª dimensão que seria a do Conhecimento Universal e dos Arquivos da Humanidade aos quais Ele teria acesso para orientar o Eu Encarnado, caso o KÁ, duplo do Espírito, esteja no seu controle.
Tal clareza mental vai depender da qualidade das energias do SHUT e do KHAIBIT, ou seja, de como o indivíduo se vê (Eu Sou) e dos valores que manifesta na vida (Eu Posso). O Eu, na realidade, é composto de três partes que interagem entre si: o KÁ, o SHUT e o KHAIBIT. Aqueles que assistiram o vídeo sobre os Pontos do Eneagrama disponível no Canal do You Tube devem se lembrar que estes três pontos constituem o Triângulo Astral e têm características peculiares que dão sustentação ao que poderia ser chamado de Estrutura do Eu. Esta estrutura está assentada nos três pilares que são a razão, e emoção e a ação que precisam estar sintonizados e harmônicos entre si para que possam sustentar um movimento que consiga atuar em benefício da mais completa manifestação possível do Ser.
Como pode ver visualizado na figura 1, o Triângulo Vital formado pelos pontos 3, 6 e 9 do Eneagrama compartilha o ponto 9 do Espírito com o KÁ. As características mentais desse ponto tanto no que diz respeito à criatividade, a percepção da realidade através das impressões recebidas pelos sentidos, a acuidade mental e a capacidade do uso adequado da palavra para se comunicar, vão depender dessa conexão com o KÁ proporcionando acesso ao conhecimento universal armazenado naquelas “dimensões superiores” mencionadas. Também através desse ponto comum, os dois triângulos acabam se comunicando e absorvendo as influências dos outros dois pontos do Triangulo Astral que não se comunicam com ele diretamente pela inteligência interna do Eneagrama, mas passam então a afetar o equilíbrio do Triângulo Vital.
Assim, os Valores do Khaibit (Eu Posso) e a autoimagem do Shut (Eu Sou) passam a desempenhar também importante papel no comportamento do Eu Encarnado. Valores mal posicionados e/ou uma percepção distorcida da própria imagem acabam projetando no mundo real com o qual interagimos uma personalidade na qual a “semelhança”, ou seja, os atributos que conseguimos refletir através dela, estão muito distantes da verdadeira “imagem” criada e contida no espírito que anima a vida - a “centelha divina”. Bernardo de Claraval, reformador da Ordem de Cister, mais tarde canonizado São Bernardo, nos legou a Doutrina da Imagem e da Semelhança divinas do homem. Segundo ela, no início da criação as duas coincidiam. Pela imagem ele teria a liberdade do arbítrio e pela semelhança as virtudes. Aos poucos, no entanto, esta coincidência foi desaparecendo: a imagem permaneceu intacta, mas a semelhança foi se perdendo. Ainda segundo a mesma Doutrina, a imagem seria a estrutura essencial do ser humano e a semelhança o conjunto das funções ou a estrutura funcional. Esta doutrina pode ter sido concebida através de um fundamento religioso, mas pode perfeitamente ser adaptada para o decaimento do funcionamento de uma máquina pelo mau uso e pela falta de manutenção. Afinal, o que é o Ser Humano, em última análise, senão uma máquina com problemas de conexão com a sua fonte principal de energia?
UM EXEMPLO PRÁTICO - A COMODITIZAÇÃO DA CIÊNCIA
Os três processos necessários para a sustentação e sobrevivência de qualquer coisa criada, seja de que natureza for, devem refletir três princípios básicos que emanam da fonte primordial criadora.
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O “produto” criado deve se adaptar perfeitamente ao ambiente no qual vai ser inserido, ou seja, ele deve encontrar o seu lugar e ser aceito pelo meio em que vai conviver;
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É necessário que ele obedeça às Leis e regras que governam esse ambiente, sejam elas de funcionamento ou operação, reprodução, mercado, tradição e todas as demais que são reconhecidas;
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Esse “produto” precisa ter uma apresentação material que seja percebida pelo meio ambiente e possa ser conseguida com os elementos disponíveis.
Na nossa linguagem corriqueira poderíamos dizer que o primeiro princípio tem que lidar com o futuro, com as reações desconhecidas e incontroláveis do ambiente à presença de algo novo. O segundo princípio tem ligação com o passado, com as regras existentes, com o que já aconteceu e portanto, por que não dizer, com o hábito adquirido através do tempo. O terceiro princípio tem a ver com o presente, com o mundo material, com a forma, a qualidade e a quantidade.
Embora possam ser olhados didaticamente de forma individual, os três princípios precisam estar contemplados simultaneamente no produto que vai ser entregue. Tudo o que é trino precisa da presença dos três aspectos da trindade para se manifestar. A ausência de qualquer um deles inviabiliza o resultado final pois, na realidade, toda trindade criadora é una e consubstanciada, apenas possuído aspectos diferenciados. Não é atoa que até mesmo para repreender uma criança levada e exigir dela um comportamento diferente, sempre contamos até três, não até dois ou quatro, não é por acaso. Já observaram como sempre nos esforçamos para apresentar três argumentos para sustentar uma posição? E quando não conseguimos achamos que a argumentação está fraca, como uma rima de "pé quebrado"?
O filme inglês “O Homem do Terno Branco” de 1951, com Alec Guiness, traz à baila a clássica questão da contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas e as relações sociais de produção, isto é, de como um modo de produção determinado pode ser uma camisa de força para o livre progresso tecno-científico. A trama central do filme é sobre uma invenção que, de tão revolucionária, poderia colocar em risco o mercado e as relações capital-trabalho.
O filme narra a saga de um cientista ingênuo e idealista, recém-formado, que obsessivamente persegue um objetivo: o desenvolvimento de uma fibra sintética que produza um tecido que nunca desgaste e suje, produzindo roupas praticamente indestrutíveis e capazes de durar uma vida inteira, o que ele acaba conseguindo.
A notícia vaza para o mercado que entra em pânico diante da perspectiva de uma invenção que poderá provocar óbvia crise em larga escala: fechamento de fábricas têxteis, desemprego em massa, lavanderias que ficariam sem trabalho etc. O cartel têxtil se reúne e tenta a todo custo comprar a patente para dar fim à perigosa invenção. Determinado pela missão humanitária da sua descoberta o inventor foge querendo avisar a imprensa, sendo perseguido tanto pelos representantes do capital, quanto pelas lideranças sindicais temerosas pela ameaça do desemprego.
O inventor é representado como o Mago Alquímico. Os insistentes enquadramentos do filme em provetas, pipetas, centrífugas, tubos de ensaio, vapores, estranhos sons eletrônicos etc. e o caráter intuitivo e inventivo do protagonista conferem à sua pesquisa uma natureza alquímica, quase mágica. Seu sonho não é quantitativo ou matemático, mas qualitativo e sem hierarquias ou controles. É um artesão perdido em meio ao Capitalismo dos cartéis têxteis.
O que torna interessante o filme é que a tragicomédia do protagonista não é reduzida ao egoísmo da natureza humana (desejo por lucro, materialismo etc.). O enfoque é ontológico: ciência, capital e trabalho estão submetidos a uma forma que independe das orientações éticas ou morais dos indivíduos: a forma Mercadoria. A economia capitalista exige o pressuposto subjetivo da escassez: o valor de uma mercadoria somente pode ser determinado se ela for um bem “escasso” no sentido de que atenda a uma demanda sempre crescente e nunca satisfeita, pois a sua “utilidade” é sempre tomada como insuficiente ou como sendo um bem escasso na sociedade.
Se um produto torna-se um bem facilmente disponível ou que atenda integralmente o seu valor de uso (satisfação, durabilidade, qualidade etc.) torna-se um perigo para o sistema econômico de valor, ao se tornar tão barato que inviabilize sua exploração como mercadoria. Se isso se torna inevitável com o desenvolvimento científico, a publicidade deve torná-lo escasso psiquicamente (por meio da exploração da insatisfação psicológica, consumo compulsivo etc.).
Quando esse assunto é debatido as pessoas logo pensam em invenções proibidas. Imagina-se que os grandes trustes possuem em seus cofres-fortes a lâmina de barbear interminável, o fósforo perpétuo, a lâmpada elétrica eterna, o comprimido que dissolvido na água substitui a gasolina, os tecidos indestrutíveis, ou os remédios que curam todas as doenças. Pode ser verdade? Vejamos.
O idealismo ingênuo do inventor do filme busca a plena satisfação humanitária através de um tecido sintético. Ele não percebe que o seu desejo transcende a forma mercadoria e a própria teoria do valor econômico. Uma mercadoria indestrutível e durável por toda uma vida inviabilizaria o seu valor e a transmutação em mercadoria. Seu sucesso científico lhe trará a melancólica decepção ao ver o preço que terá de pagar. Este contexto descrito caracteriza o que alguns chamam de “comoditização da ciência”.
Apesar disso, o problema do filme acabou sendo resolvido por si mesmo, pelo lado do produto. O tecido desenvolvido começou a apresentar instabilidade após decorridos alguns dias, desfiando e se desfazendo, acabando com a propalada perenidade, para alegria das partes envolvidas, exceto o inventor.
O que se vê neste exemplo é um presente tecnológico gerando um conflito entre um passado submetido a estruturas rígidas e de difícil alteração e um futuro temeroso do impacto que pode ser causado pela quebra das estruturas tradicionais estabelecidas. Aqui estão representados os três Princípios enunciados: o da aceitação e adaptação, o da Lei estabelecida e o da materialização da forma. Dos três, o mais fácil de ser modificado é o produto, justamente o originador da celeuma. Os outros dois trocam energias nos dois sentidos, pois o grande público que poderia ser beneficiado por um tecido indestrutível e garantiria a aceitação é, basicamente, o mesmo que ficará ameaçado de perder os seus empregos e o seu sustento amparados pela estrutura em vigor e que não pode ser desmontada a curto prazo.
No caso do exemplo, não foi conseguida a harmonia necessária para a aplicação plena dos três princípios, o que nos leva a refletir e ponderar sobre os motivos que fazem com que as mudanças evolutivas, mesmo as naturais, levem tanto tempo para serem concluídas. Vivemos numa realidade na qual quaisquer mudanças precisam ser negociadas e planejadas para que os princípios sejam atendidos e o processo possa se desenvolver.