Um Ticket para a Eternidade
Este artigo é quase uma continuação de “O Fim da Eternidade”. Digo continuação, porque alguns comentários ali inseridos, que poderiam perfeitamente ter passado desapercebidos, despertaram o interesse de um leitor atento que se interessou por trocar ideias a respeito de “outras vidas” e “Realidades paralelas”.
Trata-se de um assunto que provavelmente nem os mais renomados cientistas possam afirmar que dominam. Assim, nós, os “curiosos”, interessados no assunto, podemos arriscar algumas incursões sobre o tema e o próprio leitor que provocou o assunto, ele mesmo um escritor talentoso, já fez alusões ao assunto em seus escritos. Voltar ao passado ou pular para o futuro fazem parte, sem dúvida, desse cenário onde Realidades diferentes conseguiriam coexistir.
A abordagem de um tema dessa natureza tem como seus principais e talvez únicos ingredientes a fuga dos paradigmas, a lógica, o bom senso, a intuição e a inspiração, tudo isso regado pelo molho da nossa ignorância. Os comentários que ofereço aqui estão baseados nesses parâmetros e em momento algum pretendem representar qualquer tipo de verdade absoluta, mas apenas uma visão do autor, até onde ela consegue chegar e, portanto, “sujeita a chuvas e trovoadas”, podendo gerar as reações mais diversas.
Em primeiro lugar quero contestar a ideia de que Realidades paralelas seriam uma decorrência de opções desprezadas em situações de decisão, que dariam origem a novas linhas do tempo, que assumiriam vida, como se a escolha desprezada tivesse sido vencedora. Já imaginaram quantas decisões somos obrigados a tomar todos os dias e o que seria da ordem universal se cada uma delas gerasse Realidades diferentes? Eu não gostaria de ser o “Eterno” encarregado de administrar essa confusão! Creio firmemente que num Universo que funciona de forma tão precisa que parece inexplicável aos nossos olhos, cheio de criaturas admiráveis e perfeitas nas suas constituições, tudo deve ter uma finalidade e uma direção definida. As várias Realidades, se elas existirem realmente, devem ser coerentes com um Propósito maior e não podem ser deixadas sujeitas a interferências esporádicas emocionais, passionais ou personalistas. O trajeto de uma Realidade pode até não ser o ideal, mas ele deve buscar um Propósito original que o governa. As Realidades “afluentes”, se existissem, dificilmente atenderiam a este requisito.
Também é comum assistir nas narrativas envolvendo múltiplas Realidades os mesmos personagens a desempenharem papeis diferentes, mas mantendo seus aspectos físicos, como verdadeiros clones da sua outra versão. Só consigo entender esta possibilidade pelo seu sentido simbólico e pela dificuldade da maioria dos humanos para avançar nos aspectos mais sutis da existência, focados que são no seu lado material, onde a forma do corpo é algo palpável que pode ser entendida com mais facilidade para caracterizar uma presença múltipla. Poderia ser dito que esta é uma visão materialista da multiplicidade das Realidades, que não contribui em nada para trazer luz sobre o assunto e, ao contrário, acaba gerando teorias restritivas, como os paradoxos temporais.
O aspecto simbólico ao qual me referi acima tira o entendimento de uma Realidade do campo puramente físico e o remete para a possibilidade do desmembramento de uma essência que teria energia suficiente para “patrocinar” várias manifestações com finalidades específicas. As leituras e estudos que fazemos ao longo da vida nos alimentam com determinadas informações que podem parecer irrelevantes à primeira vista, mas que em determinado momento se encaixam num mosaico mais amplo, ajudando a formar o quadro geral. Um desses conhecimentos acumulados que sempre achei lógico e coerente é o de que os chamados “Deuses”, entendidos aqui muito mais como aqueles seres que assombravam os povos antigos com o seu poder e sabedoria, só seriam autorizados a gerar “filhos” quando houvesse a necessidade de que esses desempenhassem uma tarefa dentro do planejamento cósmico – nenhuma firma séria admite funcionários apenas para ficar maior ; as vagas decorrem sempre de uma necessidade. Isto sempre me pareceu muito mais sensato do que um simples “crescei e multiplicai-vos”.
Desmembrar-se energeticamente não deixa de ser uma forma de gerar “filhos” e assegurar uma presença da essência do “Deus-Pai” em mais de uma Realidade. Algumas fontes afirmam que haveria um número máximo desses “filhos” que poderiam ser gerados, mas nunca vi ou percebi qualquer definição clara de que isso dependeria do nível energético ou hierárquico da fonte da energia. Ou, ainda, se o processo seria de divisão ou de compartilhamento, mas o mais lógico seria associá-lo a uma garantia de amplitude de controle, o que nos deixa a meio caminho entre dividir e compartilhar. Nunca é demais lembrar o exemplo de dividir um pão, ou compartilhar um cobertor. Compartilhar não priva a fonte de sua energia, já a divisão pode em algum momento causar escassez. Conhecimento é para ser compartilhado, mas infelizmente muitos se julgam donos dele, graças a uma visão distorcida do poder que ele pode proporcionar.
São comuns acessos a outras Realidade, na maioria dos casos de forma involuntária, nos quais as pessoas se vêm assistindo ou, mais raramente, participando de cenas inusitadas. Logo aparecem, então, as tentativas de interpretação daquelas situações, como se aquilo fosse um sinal mandado de uma outra dimensão, o que pode ser até possível em alguns casos, mas na maioria deles não são mais do que simples “acessos”. Acessos esses permitidos por um encaixe de frequências que nos permitem assistir cenas que nada têm a ver conosco – apenas sintonizamos uma estação e assistimos a uma programação em outro canal. Minha recomendação é que esses episódios sejam sempre encarados com cautela e sem empolgação, até que se possa ter o entendimento do seu real significado, o que quase nunca acontece.
O mais provável é que cada um de nós sejamos manifestações da essência do que costumamos chamar de nosso Eu Superior, inseridos num canal A de Realidade e que outras manifestações dessa mesma essência desempenhem papeis nos canais B, C e mais quantos outros forem possíveis, caracterizando outras Realidades. A entrada dessas manifestações nas várias Realidades provavelmente deve obedecer a um critério de necessidade que justifique “gerar um filho” para desempenhar um papel específico naquela Realidade. Talvez valha mencionar que os “filhos” seriam gerados sempre aos pares (masculino/feminino, ativo/receptivo, yin/yang) e que o terceiro elemento da Tríade, responsável pela oportunidade/utilidade seria proporcionado pela tarefa à qual eles seriam destinados. Existem narrativas muito interessantes sobre o assunto, como no caso de Osiris e Isis, mas que fogem ao escopo deste artigo. Talvez daí se origine o mito da “alma gêmea” que tantos vivem perseguindo até hoje.
Agora a pergunta que todos devem estar se fazendo. Onde entra a reencarnação nesse processo? É claro que na nossa ignorância, é impossível saber com exatidão, mas podemos especular com base nos conhecimentos adquiridos, na fuga do óbvio, e na própria ideia apresentada. É de se esperar que ao fim de uma vida a parcela da essência a nós atribuída seja reintegrada ao nosso Eu Superior carregando com ela toda a experiência e conhecimento adquirido. O que isso então nos torna? Sondas destinadas a trabalhar para o crescimento do potencial energético desse “Deus” que seria o nosso Eu Superior? O que acontece com as Almas que armazenaram tudo isso ao longo da vida, quando a energia física se esgota? Simplesmente descarregam o seu conteúdo enriquecendo o Eu Superior? Elas mesmas reencarnam em outro corpo com esse conteúdo? Ou será que aqueles canais onde elas desempenhavam as suas tarefas continuam ativos e dão origem aos tão cobiçados registros akásicos?
Parece não haver muito sentido em trazer novamente para uma “nova vida” todo esse conteúdo já experimentado para repeti-lo. As memórias que acabamos tendo poderiam, provavelmente, ser proporcionadas pela energia de um novo compartilhamento promovido pelo Eu Superior, no qual poderão estar incluídos alguns episódios que mais marcaram as “vidas anteriores”. Uma verdadeira genética espiritual. Para nós , seres “temporais”, tudo se passa como se aquelas tivessem sido vidas anteriores. Poderia ser esse o motivo de não nos lembrarmos delas a não ser através de flashes do inconsciente? No estudo do Eneagrama existe a previsão de situações de “vidas passadas” que continuam afetando o nosso comportamento atual, mesmo que não nos demos conta disso.
Esta linha de raciocínio traz, no entanto, uma preocupação grave. Na linguagem popular: “ – O que que Maria leva?” Qual a remuneração, a recompensa da Alma pelo cumprimento de sua tarefa? O que passa a significar conquistar ou “salvar” a sua Alma? Ou a Alma seria apenas um tipo de Golem fabricado pelos “Deuses” para atingirem seus objetivos? Este talvez seja o ponto nevrálgico que as pessoas temem abordar com medo de destruírem suas crenças, perderem seus chãos e se sentirem isolados, perdidos, sem algum tipo de Paraíso em que mirarem.
O caminho natural de qualquer funcionário é o de crescer dentro da firma, à medida em que adquire experiência e conhecimento, chegando a assumir cargos de gerência e de direção. De alguma forma, é possível que a energia que recebemos vá aumentando , ou seja, passamos a compartilhar parcelas cada vez maiores do nosso “Deus-Pai”, até o ponto em que possamos desenvolver uma autossutentabilidade que nos transforme em “Deuses”, menores a princípio, mas capazes também de começar nossos próprios processos de compartilhamento. Mal comparando, é como se a nossa velocidade de internet fosse suficientemente grande para podermos pendurar nela um número crescente de usuários/equipamentos que proporcionarão uma maior quantidade de informações. Nosso “provedor” é a nossa mente que, com seus paradigmas, pré-conceitos e pensamentos erráticos e fora de foco, nos impede de receber com intensidade suficiente aquilo que emana da nossa fonte e, assim, nos torna prisioneiros de nós mesmos. Os estudos de autoconhecimento tentam fazer exatamente isso – educar a nossa mente para fazê-la perceber uma Realidade mais abrangente.
Então, Maria só vai levar alguma coisa se libertar a sua mente e permitir, por exemplo, que você leia este artigo sem se espantar, mesmo que não concorde com ele. A melhor maneira de ser livre é dar liberdade aos outros. Isso faz com que não nos preocupemos com as opiniões alheias e estejamos sempre prontos para pensar e mudar de ideia sempre que julgarmos necessário, sem os exageros, é claro, de um “esgrimista mental”, arquétipo muito conhecido que transforma em “esporte” a controvérsia e a discussão, apenas para ter sempre a última palavra ou puxar a brasa para a sua sardinha, sem se preocupar com o fundamento ou a verdade. Ele é a base da amoralidade.
Ouvimos falar de “Mestres Ascencionados” com uma certa perplexidade, esquecendo que provavelmente foram “temporais”, como nós, e que devem ter acabado se tornando “eternos” em relação a nós, mas que possivelmente continuam sendo “temporais” em relação aos seus “Deuses-Pais”.
Vou parar por aqui, porque este assunto não tem fim. Apenas limites impostos pela nossa ignorância, mas que podem ser expandidos quando saímos da nossa zona de conforto e nos dispomos a explorá-los, sabendo que podemos tomar caminhos equivocados e admitindo sempre a possibilidade de retomar e reformular os passos anteriores.
Reitero o que repito sempre: meu objetivo não é afirmar e sim dar partida a um brainstorming ao qual cada um pode acrescentar suas próprias ideias. E espero que o façam.