“ – É preciso fazer Justiça!”
A frase em epígrafe é uma das muitas formas usadas para expressar o clamor das pessoas quando se sentem injustiçadas, presenciam ou identificam o que consideram ser algum tipo de injustiça.
Antes de ir adiante, devo explicar que o fundamento do que vai aqui exposto está assentado na ideia que mais me agrada quando se fala de Justiça e enfatizar, como sempre faço, que esta é uma posição pessoal que estou compartilhando sem qualquer intuito de convencer os leitores, mas apenas de oferecer material para reflexão. A ideia a que me refiro é originária do antigo Egito que tinha na Deusa Ma’at a personificação do ideal de Justiça. Representá-la como uma Deusa é o menos relevante, e falaremos disso mais adiante, o que importa é a ideia nela contida, que tentaremos apresentar.
Apesar de o ser humano se gabar da sua inteligência e racionalidade e arrotar uma supremacia sobre as demais espécies, ele não possui a Justiça entre os seus atributos e virtudes naturais. A Justiça ( com Jota maiúsculo) é uma característica do Universo e se baseia no equilíbrio, o que é implicitamente reconhecido pelo ser humano quando aceita a balança como um dos elementos presentes no simbolismo da Justiça dos homens. O ser humano, com seus três centros normalmente desarmônicos – Mental, Emocional e Motor – está muito longe desse equilíbrio.
A frase que abre este artigo reflete, portanto, uma impossibilidade. O ser humano é incapaz de “fazer” Justiça. Ela simplesmente existe ou não, sendo que a única maneira de desfrutar dela é entrar em sintonia com o Universo, encontrando o seu “tom” dentro dele. Enquanto isso não for conseguido tudo vai continuar parecendo difícil, injusto e cheio de obstáculos. Descobrir o seu tom passa por varias etapas que constituem os caminhos para desembocar na identificação e finalmente no cumprimento do seu papel na vida.
Aqueles poucos que conseguem chegar neste ponto terão trazido para o seus Eneagramas nesta vida a Tríade 6-7-8 ou, se você já a possui nele, terá descoberto a “Missão Impossível” que lhe foi atribuída e cujo conteúdo se autodestruiu logo após o nascimento. Você descobriu a forma exata de viver a sua vida em equilíbrio com o Universo. Isto é justiça, você não a faz, a única maneira de consegui-la é juntando-se a ela. Ao chegar nesse ponto ninguém precisa de religiões, porque quem sabe não precisa acreditar, nem de gurus para lhe mostrar os caminhos, porque já se chegou, e dificilmente irá transgredir alguma Lei dos homens, porque você vive segundo as Leis Universais que, teoricamente, são a origem de todas as demais.
Mas, apesar disso, você ainda corre um grande risco causado pelo “teoricamente” acima citado. Isto se deve à diferença entre o “espírito” e a “letra” da Lei que, nem sempre são interpretados corretamente pelos que são encarregados de traduzi-la e aplicá-la. O risco apontado é o de rejeição por uma sociedade massificada e sem rumo que invariavelmente cruza e obstrui o caminho dos que sabem para onde estão indo.
As consequências desse fenômeno variam desde o isolamento voluntário, o desprezo e perseguição e, até mesmo, a criação de “sociedades secretas” formadas por pessoas afins, na tentativa de salvaguardar um conhecimento. A Justiça se assemelha muito mais a um estado de Ser (estado de equilíbrio) do que a uma virtude. Curiosamente, a preocupação com a Justiça é típica dos locais e ocasiões em que ela não existe. Num verdadeiro estado de Justiça as coisas fluiriam tão suavemente que a presença dela nem mesmo seria notada, muito menos exigida. O ser humano vive clamando por Justiça justamente porque vive num estado de desequilíbrio com o Universo. A personificação da Justiça numa Deusa retrata, entre outras coisas, esse reconhecimento de que ela não é deste mundo, está fora dele, e a leveza da pena de Ma’at colocada no prato da balança contra o peso do coração representa a maneira como a vida deve ser levada.
Um dos exemplos mais corriqueiros da dificuldade de fazer Justiça no mundo real é a chamada independência dos Poderes em uma República, na realidade uma ficção jurídica que se revela desde a indicação dos Juízes das Cortes Supremas (órgãos máximos da Justiça) que, na maioria esmagadora dos países, sofre interferências políticas, tanto do Executivo como do Legislativo, gerando vínculos inevitáveis com os Poderes indicadores.
O arremedo de Justiça praticada pelos seres humanos nada mais é do que a aplicação da letra da Lei, pois não é raro ouvirmos comentários críticos sobre a “injustiça” de determinadas Leis, comprovando que existe a percepção da diferença entre a “letra” e o “espírito”.
Os egípcios tinham uma visão muito peculiar da atuação da Ordem do Universo abrangendo tudo o que existe em todos os níveis como uma grande unidade. Esta percepção, quando bem apreendida, traz nela a ideia de que tudo que existe tem uma finalidade e algum tipo de consciência do seu papel, independente de serem humanos, animais, criaturas animadas ou inanimadas. Um povo que pensa dessa maneira dificilmente poderia ser politeísta, no entanto, esta ideia nos é passada pela narrativa histórica através de um rico panteão de Deuses e Deusas que é estimado em mais de 2.000 (duas mil) divindades, argumento que sustenta a tese do politeísmo egípcio.
Olhando por outro lado, seria mais do que natural pensar que uma civilização que contempla uma Ordem Universal para tudo o que existe poderia ter encontrado uma maneira de dar vida, movimento e consciência a essa Ordem associando-a a Deuses, para caracterizar as “Omnipresença”, “Omnipotência” e “Omnisciência” dessa Ordem em todas as coisas (atributos de um Deus único), de modo a traduzir essa ideia e torna-la acessível às mentes mais simples da grande massa, incapaz de engendrar ideias dessa natureza. Note-se também que nem no chamado mundo civilizado moderno essa ideia é aceita com facilidade nos dias de hoje, a não ser em círculos muito restritos. Este, provavelmente, também é o motivo pela qual existe uma corrente de pensamento que atribui uma origem extraterrena aos primeiros Faraós, “considerados Deuses”, responsáveis pelo florescimento da civilização egípcia e cujo enfraquecimento pela miscigenação ou pela “retirada” acabou, paulatinamente, provocando o seu declínio, deixando como herança o Panteão de seus Deuses e Deusas.
Vou encerrar aqui este artigo, deixando que cada leitor dê a sua resposta para a pergunta que todos devem estar se fazendo – “Como, quando e por quem foi estabelecida esta Ordem Universal ?”. A ausência desse conhecimento é o que leva as pessoas a abraçar as religiões, que apenas oferecem respostas incompletas e se baseiam em dogmas, ameaças e promessas para angariar um poder no mundo material que nada significa no nível transcendental.
Nem todas as respostas para os questionamentos existenciais da humanidade podem ser buscadas no pensamento racional. Quando chegamos ao limite do potencial individual como criaturas humanas, as respostas precisam ser buscadas em outros domínios que a maioria de nós não consegue engendrar. Precisamos lembrar que existem árvores opulentas, frondosas e pródigas em dar frutos e outras, da mesma espécie, raquíticas, vulneráveis e sem a mesma generosidade, provavelmente porque suas raízes estão fincadas em solos e ambientes diferentes e não conseguem obter para si os alimentos necessários.